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...e o « zé » desceu à revista

crónica de manuel gamelas

Enfardado segundo a alta costura da moderna alfaiataria «Andrajo», o nosso « Zé» desceu das altas serranias da «larica» para admirar com olhar de carneiro-mal-morto o desfile ultra-cultural e... pirotécnico da revista.

Com aspecto de quarto-minguante (pudera!), ocupa com a arrogância própria da sua insegura mentalidade mesolítica (ou ele não fosse o «Zé Pedrada») o lugar que lhe foi reservado em troca de uma simples «folha de alface»: fila A, n.º 4 do 2.º Balcão.

Enquanto espera, o «Zé» vai notando com a sua perspicácia serranesca, as variadas expressões, a linguagem e as configurações genericamente descoloridas das pessoas que vão aparecendo.

Junto da porta, com bigode atacado por «enfarte-mucoso» e cabeça depenada por um «ciclone-capilar», um choca-pintos de albarda descaída pelos ombros olhava o passear ao acaso dos fraldiqueiros de borregos; mais além, com um enrolamento de voz ao mais alto nível «sparghetiana», um jovem de meia idade antecipava o sabor da guloseima que iria ser servida dentro de breves minutos: – Eh pá, as lascas são mesmo umas fanecas! E cada estardalho, pá!... É de perder a tramontana!; penetrando na sala, uma senhora com penteado de «repolho» e beicinho caído à Mylene Démongeot, sorria-se de um galanteio made-in-Lisboa que um velho de nariz sarapintado de sardas expeliu avec ardeur alimentado a bagaço brasileiro: – Chau, minha lontra!...; junto de si, alisando o / 29 / cabelo segundo a moda «Alain Delon», estava um jovem com aspecto de «balletista» da nova corrente «bó-bó». Era isso, era: «BalIet-bó-bó». Que «Lourenço»?! – exclama o «Zé» indignado, afastando-se com repugnância.

Começa a luzenta revista. Um friso de «girls», com as carrasquinhas a despontarem do decote e as pernas a dar espectáculo, cantavam numa voz de mocho piante o prefácio sumarento da mexeriqueira revista. Com o entusiasmo de quem vai para uma borga, davam às trancas com um espírito longe de estarem a «meter-butes». – Bravo! – gritava de vez em quando o «Zé», com os olhos faiscantes.

A senhora de beicinho à Mylène, com olhar de beata, sujava a pintura-ambiente com o espalhafato das suas frases estúpidas: – Que calhamaços!... Elas «bem querem dar mel pelos beiços» ... mas com aquelas securas!? ...ah, ah, ah... Mulheres de palha é o que são. Sim, de palha?!...

O «compère», figura destacada da baixa mexeriquice revisteira, enchia a atmosfera do teatro com a sonoridade bem conhecida da sua língua de palmo e meio: – Que «judiaria»! Juntarem os trapinhos numa altura destas! Qualquer dia temos águas-entornadas, vão ver! Pobre João... juntar-se com um «bornal» daqueles! Mas... «quem corre de gosto não cansa»!

O «Zé», sabido nestas andanças linguísticas, ria-se com a segunda intenção que elas alcançavam.

E a «pulga» revisteira continuou no mesmo tom «cultural». Risos. Lascívia. Gargalhadas. Antipudor. Excitação. Palavrões. Desnudez moral...

A revista penetrava no consciente dos espectadores como coelho em mato espesso. Desvirtuava-os para a lama da sarjeta moral. Encanava-os para trilhos aberrativos.

O «Zé», mordendo-se com tanto riso, rugia com fúria bem solícita frases sem nexo.
 

Inquieto com o parafraseado do nosso «Zé», o «balletista-bó-bó» soliloquiava protestos de vez em quando. Irritando-se, o «Zé» grita-lhe:

– Vai-te embora «cagunfa»! Ah, ah, ah... Cagunfa, cagunfa, cagunfa... Ah, ah, ah... Já lá viram o «trampa-engomada»... escandalizado!...

Chega o fim. Saindo, o «Zé» dá uma palmada amiga nas costas do «choca-pintos», perguntando-lhe: – Que tal esta marmelada!

Olhando-o de lado, o outro exclama: – Imoral, imoral, imoral...

Agasalhando-se do frio da noite, o «Zé» regressa à sua toca milenária, meditando: – Imoral, imoral, imoral... Han?!...

 

 

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