O início da pesca do
bacalhau pelos portugueses data do século XIV, comprovada por
documentos históricos, que atestam o interesse com que as pescas
eram olhadas e o incremento que teriam já, nessa recuada época da
nossa história.
Nos primórdios da
nacionalidade, eram os pescadores olhados com respeito e
considerados como classe de elite. Profundamente cristãos, os
portugueses encontraram na religião a razão do seu respeito pelos
pescadores, chegando a julgá-los nobres e cumulando-os de imensos
privilégios.
Assim foram criadas
condições óptimas ao advento dos marinheiros que mais tarde iriam às
descobertas.
No Reinado de D. Pedro
I, em 1353, foi firmado com Eduardo III de Inglaterra um tratado que
autorizava os pescadores portugueses a exercerem durante 50 anos a
pesca nas costas daquele país, em cujos mares abundava, como
principal espécie ictiológica, o bacalhau e à pesca do qual se
dedicavam os povos ribeirinhos.
Em meados do século XV,
com a descoberta pelos irmãos João e Gaspar Corte Real dos Bancos da
Terra Nova, imensamente ricos em bacalhau, iniciou-se uma era de
prosperidade para a indústria bacalhoeira portuguesa. Foi tão grande
e rápido o desenvolvimento atingido que, 50 anos mais tarde,
aparecem as primeiras leis de coordenação económica impostas à
indústria.
Na ilha da Terra Nova,
estabeleceram os portugueses feitorias que utilizavam durante o
período de pesca, de Maio a Outubro, e aonde preparavam o pescado –
escalando, salgando e secando – que no regresso a Portugal enchia
os seus porões.
Destas feitorias,
podemos mencionar as de Conception e Portugal Cove, aglomerados
populacionais que, na Conception Bay, ainda hoje nos recordam os
portugueses bacalhoeiros do século XVI.
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/ No «Tratado das Alfândegas em Portugal», Sales Lencastre refere
que «o produto das pescarias de bacalhau opulentou várias terras de
Portugal, principalmente Viana da Foz do Lima e Aveiro, chegando a
sair desta última cidade sessenta navios, em 1550, para o exercício
desta pesca».
Em 1506, D. Manuel I
promulga uma lei impondo que seja para ele arrecadada a dízima do
pescado da Terra Nova.
No Reinado de D. João
lII e D. Sebastião, esta actividade mereceu aos governos tão grande
atenção que, com o fim de proteger a indústria, foi publicado um
regimento privativo para as frotas que anualmente seguiam para essa
pescaria.
Porém, com o advento dos
Filipes em Portugal e devido às guerras que Filipe I manteve contra
Isabel de Inglaterra e Holanda, foram os portugueses afastados dos
mares da Terra Nova pelos ingleses, sofrendo a indústria um golpe
decisivo que a levou ao desaparecimento.
Durante dois séculos,
abandonámos completamente essa pesca e só em 1835 nos aparece de
novo, com a criação da «Companhia de Pescarias Lisbonense», que
mandou vir de Inglaterra seis escunas equipadas para a pesca do
bacalhau, bem como os respectivos mestres de pesca e marinheiros.
Esta companhia foi dissolvida por decreto de 27 de Abril de 1857,
mas estava lançada de novo a semente da indústria da pesca do
bacalhau em Portugal.
Apesar disso, é só a
partir de 1880 que ela nos aparece definitivamente, chegando aos
nossos dias sem solução de continuidade.
O Capitão Ferreira,
açoriano de nascimento e pescador em Boston, regressa a Portugal e
arma o primeiro navio do que podemos considerar terceiro período da
indústria no nosso país. Saído da Figueira da Foz com destino a
Boston, aí se abasteceu e muniu dos apetrechos necessários ao
exercício da pesca, tais como dorys e sua palamenta, linhas e
anzóis, facas, etc..
Imediatamente, outros
armadores apareceram a mandar os seus navios aos bancos da Terra
Nova, mas todos, antes /
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/ de iniciar a campanha, rumavam a Boston a abastecer-se.
Daqui a razão por que a
nomenclatura dos apetrechos bacalhoeiros é quase toda constituída
por nomes ingleses ou vocábulos dessa língua deturpados.
Contam-se às dezenas
estas palavras e até a cozinha, nestes navios, se apresenta eivada
da mesma influência.
Ao cozinheiro era dada
uma categoria de tal relevo a bordo, que ele quase se media pela
bitola do imediato.
Esta situação era
originada pela necessidade que havia, dada a morosidade das viagens
e as pequenas dimensões dos navios, relativamente ao número de
homens que alojavam, de que o paiol e a aguada fossem inesgotáveis,
por qualquer processo possível ou imaginário, para não comprometer o
bom êxito da campanha. Este intrincado problema era solucionado pelo
mestre cozinheiro, a quem os capitães entregavam os paióis de
mantimentos.
Ainda hoje, nos navios
da pesca à linha, este elemento da mestrança é o chefe do pessoal
pescador dentro do rancho, impondo a todos a disciplina e os
preceitos de higiene.
Cerca de 1900, era a
frota nacional de pesca do bacalhau constituída por pequenos
veleiros que não ultrapassavam em capacidade os 3.000 quintais e a
sua tripulação não ia além dos trinta homens. Quando a Parceria
Geral de Pescaria de Lisboa reconstruiu o «Gasela I», único lugre
patacho que ainda cruza os mares com matrícula portuguesa, dando-lhe
uma capacidade para cerca de 6.000 quintais, era tal a desproporção
desta unidade, comparada com as da época, que foi alcunhada pelos
pescadores como o «Gaselão» e de tal forma os intimidava que se
lutou com dificuldades para formar a sua companha.
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Em 1930, a indústria
bacalhoeira atinge um ponto tal que o seu desaparecimento está
eminente. Os navios que constituem a sua frota são velhos veleiros e
os bancos da Terra Nova estão exaustos ou pelo menos, as suas
condições não são óptimas para que o bacalhau os procure. Por
informações de pescadores franceses, sabe-se que nos Bancos da /
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/ Groenlândia, dentro do Estreito de Davis, a pesca é abundante.
É então que o capitão
João Pereira Cajeira tenta a subida do estreito, mas, sem outra
carta marítima além do plano geral do Norte Atlãntico, cai sobre o
Cabo Farwell e a tripulação, sem agasalhos para se poder defender
dos frios do Árctico, roga ao velho capitão que volte ao Grande
Banco.
Em 1931, Egas Salgueiro,
figura primordial dos armadores portugueses da pesca do bacalhau,
inicia uma nova era para a indústria bacalhoeira nacional, ao reunir
os seus capitães e ao resolver com eles jogar a grande cartada,
tentando a exploração dos Bancos da Groenlândia.
Já não estamos na época
das descobertas, mas sem dúvida devemos admirar o feito, visto
tratar-se duma tentativa na defesa da indústria, tentativa que
poderia redundar em queda abissal da empresa que o seu autor geria.
Os navios também não são
já as velhas naus de antanho, mas para quem conhece o estreito de
Davis, com os seus gelos em campos infindáveis e as suas névoas e
sabendo que os navios eram simples veleiros sem qualquer propulsão
mecânica, ao sabor das correntes e dos ventos, muitos dos quais
tinham mais abatimento do que seguimento, por certo que saberá dar o
merecido valor aos que tal viagem empreenderam.
Batidos de novo os
Bancos da Terra Nova /
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/ nesse ano, nada se encontrou que prometesse uma boa safra. E sem
que nada soubessem uns dos outros, além do que em terra tinham
acordado com o seu armador, pois que nenhum meio de comunicação
existia, verificando cada um por si o depauperamento dos Bancos,
seguiram uns após outros com rumo ao W., para o Ártico, dentro do
Estreito de Davis. Foram quatro os navios portugueses que em 1931
pescaram dentro do círculo polar: os lugres «Santa Joana», do
comando do capitão João da Cruz, «Santa Isabel»,
comandado pelo
capitão Manuel Labrincha e «Santa Mafalda», pelo capitão João
Pereira Cajeira, da Empresa de Pesca de Aveiro e o lugre «Santa
Luzia», da Empresa de Pesca de Viana, do comando do capitão Aquiles
Bilelo, que conhecedor do que os seus camaradas iam tentar, se
dispôs a arcar com todas as responsabilidades inerentes ao
empreendimento e seguiu também /
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/ para o Norte. Eram tais as condições náuticas deste último veleiro
que, tendo-se cruzado durante a viagem com o «Santa Mafalda»,
passou-lhe este um cabo de reboque para o aguentar a barlavento.
Assim navegaram os dois veleiros, ligados durante 56 horas, até que
uma tempestade rebentou o cabo.
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Salvo este contacto,
nada mais souberam uns dos outros até à sua chegada a Portugal, com
um farto carregamento.
Em 1935, de novo Egas
Salgueiro aparece num grande empreendimento. Apesar de ter sido já
tentada a pesca do bacalhau por arrasto pela Parceria Geral de
Pescarias, com o navio «Elite» e de ter sido gorada a tentativa,
Egas Salgueiro manda construir na Dinamarca um grande navio de 1.200
toneladas de carga, o «Santa Joana», apetrechado e destinado
exclusivamente à pesca do bacalhau na modalidade de arrasto, sob a
orientação e moldes dos arrastões franceses. Suportados os reveses
das duas primeiras campanhas, consegue por fim uma pesca frutífera,
lançando desta maneira mais uma modalidade para a indústria.
De tal ordem tomou
incremento esta modalidade que, em quinze anos, foi possível,
mediante as facilidade concedidas pelo Governo depois da criação do
Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau e da Comissão
Reguladora do Comércio de Bacalhau, construir e armar vinte e dois
grandes arrastões para a pesca do bacalhau.
(continua)
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