Ora aqui
está uma rua da cidade que tem um acentuado carácter de unidade em si e
mesmo na relação com aquela que se lhe segue, a Rua do Carmo.
A Rua do
Gravito vem na sequência da Rua de Manuel Firmino, isto é, vem lá mesmo
do centro da Vera-Cruz, donde a "estrada real" dobrava, em frente à
igreja paroquial, para rumar a Esgueira, depois de passar Sá, seguindo
portanto um traçado antigo de muitos séculos e que deixa adivinhar, por
baixo do tapete de alcatrão, a pedra roliça do rio que, durante séculos,
lhe conferiu a robustez suficiente para desafiar os rodados das carroças
de rodas revestidas a chapa de ferro. E, por isso, quase se pressente,
também, perscrutando a memória do tempo, o chiar estridente e arrepiante
dos rodízios, aos solavancos pela rua acima… Mas voltemos ao princípio.
Ao abrir
a rua, com a Cooperativa de Ensino à esquerda, voltada para o Largo Maia
Magalhães, mais parece que nada desses tempos imemoriais nos chegou.
Para os
mais atentos, porém, não faltam por aqui, ainda que raros, alguns marcos
da sua antiguidade e da sua importância como caminho régio, a partir das
centúrias de Seiscentos e de Setecentos, apesar de se reconhecerem
também algumas transformações dos tempos mais próximos.
Dessas
raras marcas antigas, destaca-se à esquerda a casa onde nasceu D. João
Evangelista de Lima Vidal, um aveirense que se evidenciou, sobretudo,
pelos meados do século XX, depois da reorganização da Diocese. Nessa
casa se colocou uma lápide alusiva à efeméride, ainda que a velha casa
se mostre de cara sombria como sombria é, de resto, toda esta rua, mais
animada sem dúvida com a presença de algumas casas comerciais que
abriram, há anos, neste primeiro troço, como o restaurante A Nossa
Casa (ponto de referência na gastronomia aveirense) ou a Grade
– esta praticamente a única no género, no espaço da cidade, congregando
artistas de todas as gerações com o objectivo de dar ao público local
uma resposta de carácter vanguardista no campo das artes, indiferente às
correntes e ao peso dos seus criadores.
Logo
adiante, depois da abertura que se oferece à direita, (para a Rua de
Alberto Soares Machado), resiste ainda aos desafios do tempo, mesmo que
adulterada no seu conjunto, um bom exemplo das casas fidalgas que por
aqui se disseminaram, atraindo por vielas e quintais os senhores da
terra, em geral arrogantes no trato e no viver, feitos de «sangue azul»
e brasão no frontispício. Para que conste, este era o paço dos Couceiros
da Costa, desde muito cedo ligados à região com a sua casa em Vilarinho
(Esgueira) e que ajudaram a escrever páginas de valentia da História de
Portugal, particularmente em oposição às invasões francesas, no
princípio do século XlX.
Mais
adiante e do mesmo lado, já a fechar a rua, ainda um outro palacete
(também alterado), mais modesto na antiguidade das genealogias, mas
erguido em maior consonância com os padrões fidalgos da região. Se
àqueles se configuram pergaminhos Setecentistas, já a este a certidão
não iria para além da primeira metade de Oitocentos.
Um e
outro, porém, se recompostos na sua traça original, seriam boas
referências no espaço urbano aveirense, tão esquecido dos marcos de
antigamente identificados com famílias que tanto se enobreceram ao
serviço do rei e das suas terras.
Quanto ao
nome da rua, evoca-se nele a figura de um notável aveirense que poderia
estar condenado a não ter memória, pois não consta que tivesse sido
merecedor de especial apreço dos seus concidadãos enquanto vivo, apesar
da sua brilhante carreira de homem de Leis e da Justiça. Quis, porém, a
opressão miguelista, a partir de 1828, livrar-se de algumas vozes
incómodas. Uma dessas foi o próprio Gravito que se viu justiçado e a
quem se aplicou a pena máxima e que, por certo, conheceu a primeira
grande homenagem pública quando a Santa Casa da Misericórdia reivindicou
as cabeças dos enforcados para aqui lhes dar sepultura cristã.
Triunfante o liberalismo, enalteceram-se as grandes qualidades dos
justiçados e, neste caso, prestou-se a mais justa homenagem à coragem de
recalcitrar contra o abuso do poder e as suas arbitrariedades.
Honra, pois, ao filho desta terra brutalmente sacrificado em defesa da
liberdade, no mais amplo sentido do conceito. |