António Dias de Lemos tem 64 anos. Nasceu em
Fermentelos. O futebol é o desporto que mais o encanta, mas não despreza nenhum dos outros. Professor de educação física
aposentado, é, ainda, um homem cheio de ideias que defende, com unhas e dentes, os projectos em que se envolve. Um
homem simpático que afirma ter sido o "jogador-revelação" do Beira Mar. Os clubes do seu coração: Benfica, Académica e
Beira Mar.
Chegou com cerca de 10 anos à cidade de Aveiro, onde fez toda a sua formação desportiva. «O desporto escolar tinha um peso
extraordinário na formação das pessoas. Praticávamos atletismo, salto,
andebol, futebol, basquete, hipismo, remo, vela, volei. Tínhamos uma
gama de actividades que, agora, os jovens não têm. Mas é preciso ter em
atenção que Aveiro tinha 10 mil habitantes ou coisa parecida. Hoje serão
uns 60 mil. O que significa que poucas pessoas tinham oportunidade para
se dedicarem aos estudos.»
Nos seus tempos de miúdo, o Beira Mar era o modelo. «Os
jogadores eram referências para nós. Nós íamos para o campo só para os
ver.» Todos os rapazes da sua idade, que gostavam de futebol, tinham no
Beira Mar o culminar de todos os sonhos. E os seus ídolos eram todos aqueles grandes jogadores da época: o Magalhães, o Pião e outros... Hoje,
o Beira Mar faz formação, mas naquela época isso não acontecia. E só aos 17 anos podiam integrar os juniores daquele clube. É então que na altura em que,
finalmente, se podia dedicar ao futebol
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objectivo principal naquela
idade
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Amónio Lemos é «apanhado por um chumbo» e vai para parar a um
colégio no Porto, o "Almeida Garrett". A estudar no Porto,
começa a sua carreira de futebolista; começou por jogar na equipa da sua terra natal: o
Fermentelos. Depois, passou para o União de Paredes, onde teve como treinador «aquele grande
internacional que foi o Araújo», e, posteriormente, foi para o Águeda.
«Estudava no Porto e só vinha fazer os jogos, porque no colégio fazíamos
os treinos.» Entretanto, integrou o plantel aurinegro, e «fui uma das grandes revelações do Beira Mar. No ano seguinte, tive convites do Benfica, Sporting,
Braga, Académica... Foi uma confusão!» Acabou por optar pelo
Académica, onde jogou durante dois anos, porque foi estudar para Coimbra.
O sonho era jogar no Benfica, mas os estudos eram também um objectivo de
vida, e a pressão feita por um tio para que terminasse o curso ditaram
o seu destino. A sua vida alterou-se com a mobilização para a Índia, em
serviço militar, «mas acabei por não ir», e a sua carreira de
futebolista termina aos 23 anos. «Era um jogador diferente. Jogava
futebol de outra maneira e com uma característica que, hoje, não há: eu
era um goleador nato. Antigamente, o grande objectivo era marcar golos. Agora,
o objectivo é defender, por isso, é a desgraça total.»
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A
equipa do Beira Mar em 1967 |
A maior contribuição que deu ao futebol foi como treinador. «Fiz o curso de educação física e
um curso de treinadores.» E, em 1980, quando « o Dr. Madail aparece como presidente do
Beira Mar, eu vou para o clube, como responsável por todas as camadas jovens e preparador físico da equipa. Durante
três anos fizemos um trabalho único em Aveiro.» Um trabalho de treino com base naquilo que António Lemos sempre defendeu: o aproveitamento das potencialidades do
distrito.
Em Aveiro, há muito bons jogadores, mas «a formação
carece de gente com uma visão global da forma como deve ser tratado um
jogador. É preciso ensinar os jovens a serem capazes de se tornarem
profissionais, com capacidade para não se sentirem frustrados quando
chegam ao futebol profissional. A formação está totalmente fora do
espírito aveirense. Para o futebol, em Aveiro, ganhar dimensão é preciso
outro clube que faça formação. Mas não defendo que o Beira Mar deixe
de o fazer.»
O futebol foi sempre competição, mas «antigamente, tinha
uma marca mais ocupacional. Jogava-se futebol por prazer. Agora, joga-se por dinheiro. O golo era o objectivo; o
espectáculo estava no golo. Não quero dizer que não assistamos, ainda, a
grandes espectáculos de futebol.»
Gosta de ir ver o Beira Mar jogar, e não fica desiludido
com os resultados: «Este clube não será muito mais do que isto. O que se
pode explicar pelo facto de Aveiro ser uma terra que importa gente. E
essas pessoas não são aveirenses. Gostam de Aveiro, mas não são da
cidade. Há aqui um vazio que provavelmente será preenchido pelos filhos
destas pessoas, que já nascem na cidade e que vão ter para com ela um
carinho, uma afeição diferente.»
Homem preocupado com os problemas da sociedade, em
especial pelo abandono a que os velhinhos estão votados, não se recusa a
apoiar todos os projectos em que acredita. Ama a cidade onde diz terem
acontecido grandes momentos históricos: «A contra-revolução aconteceu em Aveiro. Não é o Mário Soares nem a fonte luminosa, mas o bispo de
Aveiro, quem fez a contra-revolução em Portugal. O bispo terminou a missa
pedindo aos fiéis: "Acordem! Que andam a dormir há muito tempo.» Lutador: «Quando quero
uma coisa e não a consigo alcançar penso: ou isso está totalmente fora
do meu alcance ou então, perspectivei mal o caminho para atingir os meus
objectivos. As coisas nem sempre estão ao alcance de todos». Defende que
o futebol é o desporto mais completo, e adora a modalidade. Teve uma
carreira curta como jogador, mas tem muitos projectos e ideias para
recuperar o futebol que sempre o apaixonou.
«Fui um dos jogadores mais representativos de Aveiro.
Mas, curiosamente, só joguei um ano no Beira Mar.»
Ora, bolas!
António Lemos conta:
«A estupidez é um direito de todos. E, lamentavelmente,
em Aveiro e no futebol, têm aparecido muitos estúpidos.»
«O futebol era muito discriminado. Para se fazer um campo
de futebol era obrigatório que se construísse uma pista de atletismo.
Sem pista não havia subsídios.»
«O VaIadas era uma grande figura. Foi ele que me
convidou para jogar no Benfica.»
«Os treinos eram às sete da manhã e os banhos de água
fria! O que era altamente salutar.»
«O futebol português tem que parar, para pensar como é que vai sair desta situação.»
«O Figo é o melhor jogador português. O João Pinto do
Benfica também é muito bom.»
« O Eusébio foi o melhor jogador...»
«Aveiro nunca soube fazer o aproveitamento dos talentos
da sua região.»
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António Lemos aos 20 anos. |
«Hoje as equipas não têm
avançados.» |
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