Uma claridade ímpar
ergue-se e transpõe os contrafortes do Caramulo numa promissora
anunciação.
É a guarda-avançada
do séquito real, que, reluzente, se aproxima, lançada intencionalmente à
conquista da planura, — qual acampamento ainda silencioso, que se
espraia, alongando os braços de água, até ao litoral atlântico.
Espreitam os
primeiros raios, espadas de ouro faiscantes, a rasgar o manto da noite,
que bate em retirada precipitada para os confins do ocidente.
Logo então, surge o
jovem guerreiro, magnificente nas suas vestes majestosas. É Hórus, o sol
nascente, esplendoroso em toda a plenitude, vencedor de Set, deus das
trevas.
E, num ápice, as
hostes tomam de assalto a terra, que se entrega sem resistência,
deslumbrada pelo fulgor omnipotente do invasor.
O clarão explode,
cresce e avassala a paisagem, transformando-a numa fogueira divina. É o
grande incêndio que deflagra, irrompendo por toda a planura, abrasando
já os canais da ria, cobrindo Aveiro. As chamas bailam, há um crepitar
de deslumbramento, e o fogo alastra, avança pelas ruas do burgo
milenário, apossa-se das casas.
Perpassam as horas.
Não existem forças — por imponentes —, que o combatam, que o extingam.
E, já em fim de tarde, a labareda imensa continua rubra, agora na voz do
poeta André Ala dos Reis:
...«Mais uma vez,
a explosão do Sol borrifa tons avermelhados pela paisagem,
desde o Mar.
A clarabóia estilhaça-se em luz vibrante e o pedaço de vidro ri com
reflexos atrevidos,
no Chão.
O globo do campanário despede fulgores,
para o Azul.
A proa do barco ardeu
e os montes de sal são fogueiras.
Tudo crepita na labareda do Sol!»...
E a labareda não se
apaga. Altiva, prossegue pela noite dentro, em chama imorredoura, que
neste dia incendeia a alma e o coração dos aveirenses, que crepita no
seio desta velhinha Associação, sempre rejuvenescida pelo lançar
constante de novas achas na fogueira, na dádiva total dos seus valorosos
bombeiros.
É um fogo que queima
e se propaga, um calor emocional que a todos nos toca profundamente. É
Aveiro que arde de alegria e gratidão.
— Não toquem as
sirenas, rapazes do Corpo Activo! Deixem arder, para que o braseiro de
abnegação e sacrifício daqueles que vos antecederam, atiçado com tanto
amor, se avolume, soprado pela brisa da vossa presença, pronta a acorrer
ao drama e à tragédia, na defesa da comunidade, que em Paz, jurastes
servir:
Que este fogo
gigantesco de significado, que uma pequena faúlha atiçou há cem anos,
lavre com intensidade cada vez maior no vosso peito, onde cintila,
rubra!, a chama sagrada do verdadeiro altruísmo, que é o voluntariado.
E, é pela vossa
coragem, humilde mas heróica, na continuidade do fogo legado, que Aveiro
continuará a arder pelos tempos fora, numa labareda de esperança,
imperecível, consubstanciada nesta Associação Humanitária, Semper
Fidelis, a quem saudamos, com o nosso muito obrigado de aveirenses. |