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Discurso do Bombeiro, Palavras minhas...

 
           
 

 

 

omei parte, como sempre costumo fazer quando se trata de bombeiros, nas comemorações do 74.º aniversário da fundação da "Companhia de Salvação Pública Guilherme Gomes Fernandes", também conhecida pelo nome de "Bombeiros Novos" de Aveiro.

Tive o gosto de subir, pela primeira vez, ao amplo salão do 2.º piso, pelas escadas cujo resguardo, à falta de corrimão (que ainda não fora colocado), era a ilusória defesa de vasos de plantas, colocadas à beirinha dos degraus. Ainda bem que nenhum de nós padecia de vertigens...


Mas aquela falta de corrimão era a demonstração visível de quanto custam obras da construção de uma sede de bombeiros e quanta dedicação e tenacidade são precisas para conseguir levá-las a bom termo. Mas era também um símbolo: o símbolo do risco a que está sujeita, por sua natureza, a missão do bombeiro.

A propósito de risco apetece-me contar uma pequena história. Creio que ela terá cabimento aqui.

Era uma companhia de circo, um destes circos ambulantes que correm as cidades e, debaixo de enormes tendas armadas, dão espectáculos que constituem o gáudio da gente pequena e da grande... E não apenas o gáudio. Às vezes dão ocasião também a uns arrepios na assistência, quando o trapezista, como se fosse uma pena ou já não sentisse o peso do corpo, realiza acrobacias do maior arrojo e perigo. Por momentos o espectador suspende a respiração e só volta a respirar fundo quando o artista, atirado para o ar à aventura, consegue apanhar do outro lado a pega do trapézio ou cair com jeito em cima da rede, depois de fazer cabriolas, que não se sabe se irão dar para cair de pé ou cair de cabeça, partindo a espinha pelo meio. Não é a primeira vez que tal acontece.

Pois uma companhia de circo quis dar um espectáculo na presença do Papa João Paulo II. E o Papa aceitou e agradeceu.

Antes da exibição uma das trapezistas fez uma pequena saudação ao Santo Padre e disse assim:

«Santo Padre, nós, os trabalhadores do circo, somos semelhantes a vossa Santidade. Está a perguntar-nos em quê? Pois eu direi: assim como acontece a Vossa Santidade, também nós pomos em risco todos os dias a nossa vida, no cumprimento da nossa missão.» A alusão ao risco que corre a vida do Papa nas suas viagens apostólicas era uma alusão discreta mas suficientemente clara. / p. 8 / O Papa não deve ter ficado descontente por se ver comparado a um artista de circo...

Quando li a notícia, logo pensei nos bombeiros.

Um bombeiro poderia repetir palavras semelhantes. Só que o bombeiro não arrisca a vida por desporto ou para gáudio e divertimento do público ou para ganhar uns tostões. Arrisca a vida por motivos mais nobres.

Foi dito na sessão em que eu tomei parte que, quando toca a sirene e o bombeiro acorre ao quartel e veste à pressa a farda e põe o capacete e parte à desgarrada para ir ao encontro do sinistro, não pensa se a pessoa sinistrada é um conhecido ou alguém que nunca viu; se é um amigo ou pessoa que não é das suas simpatias. Naquele momento e no exercício da sua função, para o bombeiro o sinistrado é apenas um irmão carecido de ajuda.

É aqui que está a grandeza moral do bombeiro.

Também ele – mais ainda que o trapezista – teria direito de assim falar ao Papa: «Santo Padre, eu sou um bombeiro. A minha missão é parecida com a vossa. Vós arriscais a vida (assim vai o mundo e assim é a loucura e a maldade dos homens...) para levar a palavra do Evangelho aos lugares e aos povos mais distantes. Quando partis para uma viagem de bem-fazer, não há ninguém no mundo (nem talvez o vosso anjo da guarda) que saiba ao certo se conseguireis voltar. Nós, os bombeiros, também somos assim. Acreditai, Santo Padre, que nos sentimos honrados por tão boa companhia. Se vivêsseis em Aveiro, estou certo de que a direcção da minha corporação vos convidaria para fazer parte dela. A vossa missão de autêntica "salvação pública" bem mereceria de uma corporação como a nossa um diploma de, pelo menos, "bombeiro voluntário honorário".»

Acaba aqui o discurso do bombeiro. Agora digo palavras minhas. Estou certo de que a Direcção da corporação dos "Bombeiros Novos" – e o mesmo diria dos "Velhos" – estaria de acordo com a proposta do seu filiado. Uma boa companhia ajuda a fazer um homem bom; e, quando o ideal do companheiro é semelhante, embora mais elevado e transcendente, ajuda também a fazer de um homem bom um bombeiro destemido, capaz de sacrificar a vida pelos outros. "Não há melhor prova de amor do que dar a vida pelo irmão". Quem terá dito estas palavras?

Felicidades para os "Bombeiros Novos" da cidade de Aveiro!

 
     
 

Manuel, Bispo de Aveiro

 

 

págs. 07 e 08

   

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