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A«Ninho de pobres, a Murtoza, sem
vinculos na grande historia da humanidade que radiou outros
horisontes; ali, á beirinha do Oceano, cresceu muito e foi
desenvolvendo as suas variadas industrias de pesca, os diferentes
ramos da sua atividade por todos os cantos do paiz».
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E’ assim que fala o meu conterraneo
Lopes Pereira nos seus perfis da A Murtoza, modesto livro que
publiquei em 1899 a propósito da autonomia Murtoza e Bunheiro.
Ninho de pobres sim, mas hoje
transformada em elegantes edificios, produto dum persistente
trabalho e de grandes sacrificios.
O povo da Murtoza, essa raça
priveligiada, onde o trabalho tem por devisa a honestidade e a
honradez, é sem contestação um modelo na sua classe – a classe
piscatoria. Em parte alguma do nosso paiz se encontram pescadores
conhecedores da sua arte, arrojados no seu trabalho, que excedam ao
povo da Murtoza. Não temem os perigos do mar, não recuam nessas
noites frijidissimas de inverno para se lançarem ao rio quasi
gelado! E’ que o pescador da Murtoza tem o seu alvorecer ao som do
ruido do mar, é logo nos primeiros dias embalado pelas suas ondas. O
seu tratar é rude, como rude é o seu trabalho, mas o seu genio, a
sua indole é pacifica, ordeira e respeitadora. No entanto, ha hoje
na sua classe piscatoria homens ilustrados que vão dando a seus
filhos uma educação literaria e scientifica, e assim a Murtoza já dá
o seu contingente muito respeitavel para a Universidade e para as
escolas superiores.
As mulheres da Murtoza, essas gregas do
Oriente, como lhes chamou Pinheiro Chagas, são outras tantas
auxiliares, já nos trabalhos da pesca, já dedicando-se a outros
misteres, como, por exemplo, a compra e venda de galinhas, industria
que exercem em grande escala em todo o distrito de Aveiro e em
particular do de Coimbra. A mulher da Murtoza pertence a uma raça
verdadeiramente carateristica, forte, robusta, dotada duma rara
beleza; a mulher da Murtoza é essencialmente trabalhadora até ao
sacrificio. Quantas percorrem o nosso distrito distrito com os
filhos nos braços e canastra á cabeça em procura do pão para si e
sua familia?
O trabalho está representado nessa raça
sublime. Aos oito anos jà o procuram em toda a parte, desde Melgaço
até ao Cabo de Santa Maria, e por isso nós vamos encontrar
verdadeiras colonias de mortuzeiros no Porto, Vila Franca de Xira,
Lisboa, Setubal, Faro, etc., etc.
A sua colonia no Brazil, muito
especialmente no Parà, é importantissima tanto no comercio como na
industria. E’ dali que vem a maior fonte de riqueza para a Murtoza
e, sem duvida, devido á grande emigração para as terras de Alem-mar
é que a Murtoza se tem desenvolvido nos ultimos anos duma maneira
assombrosa.
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Quem visitasse a Murtosa ha trinta anos,
só encontrara ninho de pobres sem vínculos na historia. Hoje não; ha
ali magnificos edificios, embora sem arruamento, devido ao desleixo
imperdoavel dos nossos municípios, a explendida praça de Pardelhas,
relativamente a mais importante em pescado de todo o paiz, tres
clubs, Associação de Socorros Mutuos, empreza das lanchas a vapor,
fabrica, imprensa, iluminação publica, etc.
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A Murtosa é uma freguezia das mais
populosas do paiz. A sua população em 1890 era de 11.784 almas; hoje
deve atingir a 15.000, devididas pelos seus quatro logares, Monte,
Pardelhas, Ribeiro e Murtoza. Para demonstrar a sua importancia
basta dizer-se que só no distrito de Aveiro ha 8 concelhos de menos
valor coletavel que a Murtoza juntamente com o Bunheiro; – as duas
freguezias e em 1898 pediram a sua autonomia sendo apresentado um
projecto na camara dos deputados em 28 de abril desse ano pelo
saudoso deputado e amigo da Murtoza dr. Barbosa de Magalhães.
Para a camara de Estarreja, a que
pertence a Murtoza, paga esta anualmente perto de dois contos de
reis!! Para o Estado as duas freguezias Murtoza e Bunheiro, pagaram
em 1898 – 49.411:337 reis !!! Na industria da pesca de moliço
empregavam-se naquela data mil quatro centos e noventa e quatro
barcos!!
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Pardelhas é o centro comercial mais
importante da Murtoza. Ha ali magnificos estabelecimentos como o
Leão da Moda do sr. José Maria Cabia; de fazendas de lã, Manuel
Maria Barbosa, Viuva Homem & Filho, Antonio Valente de Almeida &
Filhos, Francisco Nunes, João Ferreira Baptista; de mercearia dos
srs. Antonio José Barbosa, José Nunes, Antonio Valente de Almeida,
Clara Valente Sucessores, etc., etc.
No logar do Monte, tambem importante, ha
os estabelecimentos dos srs. Francisco Maria da Silva Portugal,
Antonio Maria Reis, fabrica a vapor de moagens de José Maria da
Fonseca.
No logar da Murtoza, propriamente dito, ha os dos srs. Antonio
Maria Cravo, José Augusto Soares, Silverio Antonio Pires.
Na Torreira empregam-se atualmente seis
companhas na industria da pesca de sardinha, sendo os seus arrais e
proprietarios os srs. Francisco Rodrigues Brandão, Albino Rebelo
Cebolão, Francisco Maria Tavares, João Augusto Tavares e Agostinho
Lopes Bartolo & C.ª. Não os bastante estes grandissimos factores
para o grande desenvolvimento da Murtoza, falta-lhe a proteção dos
poderes publicos para crear ali um vigoroso centro comercial que
garanta o emprego de capitais, e um centro comercial, só poderá ser
creado ligando a Murtoza com Estarreja por uma via férrea, assim
como a Torreira, donde saem, anualmente, centos e tantos contos de
reis de pescado que aí é vendido por baixo preço, ou é destinado a
adubos para as terras, visto a falta de transportes rapidos e
baratos. Ha anos em que a abundancia de sardinha é tanta, que não ha
meio de transporte para o retirar da beira-mar, ficando de um dia
para o outro, dando assim logar a ficar inutilisada para o consumo e
perdendo-se dezenas de contos de reis que seriam aproveitados se uma
linha férrea, via reduzida, ligasse a Torreira com Estarreja.
Seria um crime que nos causaria remorso
eterno, se não nos referissimos ao Hospital-Azilo – S. Lourenço de
Pardelhas – unica obra de caridade que existe na Murtosa e no
concelho de Estarreja, doado á camara de Estarreja…
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...pelo grande benemerito já falecido,
Antonio José de Freitas Guimarães. Esta casa de caridade fica
situada no logar de Pardelhas. Não é um edificio modelar, nem
corresponde ao fim para que foi creado, mas a intenção do seu doador
era boa e a prepetuar-lhe o seu nome lá está uma lapide, simples,
mas bem significativa.
Alem do edificio, foram doados perto de
oitenta contos nominais de inscrições para sustentar um certo numero
de invalidos que precisem recolher-se a essa casa de caridade.
Oxalá outros lhe sigam o exemplo para
assim, em breve, se poder construir, na Murtoza, um edificio que
possa suprir as faltas do atual, embora esse dever pertença á camara
de Estarreja, que é quem administra e recebe os rendimentos da
importancia doada.
J. M. Barbosa
Vagos é séde de uma das boas comarcas de
terceira classe.
Dista 11 kilometros de Aveiro e 5 de
Ilhavo.
E' povoação muito antiga, pois parece
que já existia no tempo dos mouros, não havendo, porém, nada na
povoação que documente a sua antiguidade nem que recorde o seu
passado.
A sua posição dominando o vale do rio Boco seria bela se não tivesse
sido desaproveitado o panorama pelos fundadores da povoação.
E' atravessado pela estrada de Aveiro á
Figueira, que se acha em rasoavel estado de conservação entre Vagos
e Aveiro mas em estado crónico de ruína entre Vagos e Mira.
A povoação tem progredido pouco, devido
á sua proximidade de Ilhavo e ainda á sua posição topografica no
extremo ocidental do distrito.
Ha uma fabrica de lixa em Sôsa, uníca no
paiz e pequenas olarias em Vagos.
O concelho compõe-se de trez freguezias:
Vagos com 6053 habitantes, Sôsa com 3587 e Covão do Lobo com 2314.
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