CHICOMBO e
ÓGUAS
Era fim de semana, um sábado do
dia 28 de Julho de 1973. Neste dia, eu, Mário
Ferreira da Silva, mais conhecido por «O Padeiro»,
porque era esta a minha especialidade na tropa,
fui falar com o Luciano Rosas Quinta, o condutor
do grupo, para lhe propor uma ida a um «kimbo»,
como aqui designam as sanzalas. Ficava mais ou
menos a 2 km do quartel onde estávamos destacados.
O nosso objectivo era comprar umas «óguas», isto
é, umas galinhas, para fazermos uma patuscada. O
Luciano concordou e lá fomos até ao «kimbo»,
acompanhados por mais 3 militares, Carlos Alberto
Gaiolas Neves, o Aires Viana de Oliveira e mais um
cujo nome já se me apagou da memória.
Chegámos ao «kimbo». As
crianças, que andavam a brincar, ao ver-nos,
vieram ter connosco. Aproveitei para perguntar a
uma onde estava o soba, o chefe do kimbo. E com
ela fomos até ele. Como eu não falava a língua
local, pedi a um dos miúdos que nos compreendia
que nos traduzisse a conversa com o soba. Eis o
meu diálogo com o soba, tendo como tradutor o
miúdo que nos ajudou:
– O Chindele – traduziu o
miúdo, designando-nos por Chindele – quer comprar
duas «óguas» (galinhas). O Soba diz que não tem
«óguas», só «chicombo» (cabrito) – transmitiu-nos
o nosso tradutor de palmo e meio.
– Pergunta-lhe quanto custa o chicombo.
– Ele diz que são vinte angolares (20$00) e o chindele (branco) pode escolher, mas tem que
trazer as tripas e a pele.
Aceitámos a proposta e fomos
escolher um chicombo. Pagámos os 20$00 ao Soba,
colocámos o animal na viatura e regressámos
ao destacamento.
Quando chegámos ao
destacamento, fui procurar o Gaspar. Embora na
vida militar fosse das transmissões, era ele
magarefe na vida civil, ou seja, era especialista
na arte de esfolar e preparar os animais para
consumo.
Depois do animal tratado,
devidamente preparado para o nosso consumo, voltei
à procura do Quinta, para mantermos o acordo que
tínhamos feito com o soba.
– Ó Quinta, temos de voltar ao
kimbo, para levarmos o que ficou combinado.
– Ó padeiro, esquece isso.
Vamos agora fazer mais 4 km? Já não estamos
servidos?
– Por agora estamos servidos. E
para a próxima, se precisarmos de voltar a comprar
mais algum animal?
– Está bem – aquiesceu o Quinta
– prepara as coisas. Daqui a meia hora mais ou
menos vamos lá.
E eu lá fui tratar das tripas e
da pele do animal. Procurei um saco. Verifiquei
que tinha ainda uns 20 pães. Coloquei-os dentro de
um saco da farinha e levei-os. Ao entrarmos no
kimbo, as crianças vieram logo a correr ao nosso
encontro. Falei com uma delas e disse-lhe:
– Vai dizer ao soba que viemos
trazer o que ficou combinado.
O miúdo não chegou a ir, porque
o Soba, que não era surdo, ouviu-nos e apareceu ao
longe, a chamar-nos com gestos. Fomos ter com
ele e entregámos o combinado: a pele e as vísceras
do animal. E juntando-lhe o saco com o pão, que ele
abriu para observar o conteúdo. Levantou uns
olhos sorridentes de satisfação, chamou dois
miúdos e, enquanto conversava com eles, distribuiu
o pão.
Despedimo-nos e voltámos para a
viatura para regressarmos ao quartel. Ainda não
tínhamos andado uns 200 metros quando apareceu uma
criança no meio do caminho. O nosso primeiro
instinto foi colocar a G3 em posição de fogo, por
não sabermos o que nos esperava.
Aproximámo-nos cautelosamente. Verificámos que era
apenas uma criança na picada com qualquer coisa na
mão. Aproximámo-nos. Verificámos que eram duas
«óguas» (galinhas). Parámos junto da criança.
– Foi o Soba que mandou dar –
disse o miúdo. Ele disse para eu ir buscar duas
«óguas» para te dar, porque estes Chindeles
('brancos') não são como os outros, nem usam o
feitiço ('roubo').
– Diz ao Soba que agradecemos e
que, quando precisarmos de mais alguma coisa,
falaremos com ele.
Chiede - Sul de Angola
Mário Silva - Companhia de Caçadores 3387
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