O mês de Março,
que há pouco findou, encontra-se associado a alguns dos episódios
mais trágicos que ao longo dos tempos marcaram a cidade do Porto.
Já aqui referimos, na semana passada, o naufrágio do vapor
"Porto", ocorrido há 150 anos, no dia 29 de Março de 1852,
provocando a morte dos seus 66 passageiros e tripulantes.
Anteriormente, também num dia 29 de Março, mas de 1809, centenas
de pessoas tinham morrido afogadas nas águas do Douro, aquando da
tragédia da Ponte das Barcas, ao fugirem apressadamente das tropas
de Soult que então entravam na cidade. Ainda no mês de Março, mas
em 1888, na noite de 20 para 21, registou-se a terceira catástrofe
que marcou a cidade do Porto no século XIX, o incêndio do Teatro
Baquet, onde terão perecido pelo menos 120 pessoas.
O Teatro Baquet,
localizado na Rua de Santo António (actualmente de 31 de Janeiro)
precisamente onde hoje se encontra o edifício da Caixa Geral de
Depósitos, tinha sido mandado construir por António Pereira, um
alfaiate portuense que, muito novo, emigrara para Espanha. Quando
regressou do país vizinho, trazia um pecúlio considerável — que
lhe permitiu lançar-se na construção de um teatro —, uma mulher, e
um enigmático sobrenome de origem francesa, precisamente "Baquet".
As obras de
construção do teatro decorreram com apreciável rapidez. Iniciadas
em 21 de Fevereiro de 1858, ficaram concluídas menos de um ano
depois, tendo o teatro sido inaugurado, com um baile de Carnaval,
em 13 de Fevereiro de 1859.
A inauguração
oficial decorreu em 16 de Julho, mas o falecimento da rainha D.
Estefânia, no dia seguinte, e o luto nacional por oito dias que se
seguiu obrigaram a que a segunda representação apenas ocorresse em
25 de Julho. Um infausto acontecimento que, segundo algumas vozes
mais supersticiosas, teria marcado o próprio destino do Teatro
Baquet.
De acordo com
Manuela Espírito Santo, que consagrou um pequeno estudo ao Teatro
Baquet, aquando do centenário do seu incêndio, António Pereira
Baquet era um empresário de vistas largas. Proprietário do
primeiro pronto-a-vestir do Porto — o que, em parte, constituía um
bom exemplo do seu espírito empresarial — para além de não se ter
poupado a despesas na edificação do teatro e no seu embelezamento,
também não pediu nenhum subsídio ao Estado para concretizar aquele
seu empreendimento, não obstante o considerável investimento que o
mesmo representava. Contudo, Pereira Baquet teve apenas uma década
para usufruir do seu teatro, tendo falecido em 1869, sem
descendência. Ainda segundo Manuela Espírito Santo, "a viúva
voltou a casar com Antónío Teixeira Assis, seu contramestre na
alfaiataria, que não lhe sobreviveu muito tempo. Passou então o
teatro para Ana Vitória da Ascensão, mãe de Assis, dona do
edifício à data do incêndio".
Na noite de 20
para 21 de Março de 1888, quando se representava a ópera cómica
"Os Dragões de Villars", com a lotação esgotada, perfazendo cerca
de seis centenas de espectadores, deflagrou um violento incêndio
nos bastidores e, em menos de cinco minutos, o fogo destruiu o
teatro por completo. Nesse curto espaço de tempo, os espectadores,
em pânico, precipitaram-se para as saídas e, inicialmente,
pensou-se que não teria havido vítimas. Ainda segundo o trabalho
de Manuela Espírito Santo, o maestro e empresário do Teatro Baquet
— Ciríaco Cardoso — teria então afirmado: "Estou perdido, estou
arruinado, mas resta-me a consolação de que ninguém morreu!".
Estava, infelizmente, equivocado.
Segundo as
estatísticas oficiais, pereceram naquela tragédia 88 pessoas, mas,
na realidade, terão morrido carbonizadas 120 pessoas.
Guilherme Gomes
Fernandes, então comandante dos Bombeiros Voluntários do Porto,
que combateram o sinistro, escreveu no relatório ao administrador
do Bairro Ocidental: "...sabia que um teatro, desde que o fogo lhe
pegasse, ardia depressa e não havia meio de o salvar; mas o que
não sabia era que ardesse tão rapidamente; e desta vez ardeu tão
rapidamente, porque havia a favorecer a combustão o ter durado o
espectáculo mais duas horas que o costume, estar tudo velho e
carunchado e a temperatura estar elevadíssima".
Logo a seguir
ao incêndio — o maior alguma vez ocorrido numa sala de
espectáculos em Portugal —, arrancou na imprensa uma ampla
campanha de solidariedade e apoio às vítimas daquela tragédia,
dado que muitas famílias se viram numa situação difícil por perda
dos seus familiares. Abriram-se inúmeras subscrições públicas,
algumas no Brasil, sendo uma delas encabeçada pelo próprio rei D.
Luís. Por seu turno, a rainha D. Maria Pia de Sabóia, ao tomar
conhecimento da tragédia, deslocou-se ao Porto, acompanhada pelo
infante D. Afonso, duque do Porto, para prestar solidariedade às
vítimas, visitando pessoalmente alguns dos sobreviventes.
|