Isabel Leiria e Bárbara Wong, «Cibercopianço» ganha adeptos, in: "PÚBLICO". Ano XIII, n.º 4699, 2/2/2003, pág. 29.

«Cibercopianço» ganha adeptos 

A facilidade com que os alunos podem encontrar informação “on-line”, cortar e colar tornou o “cibercopianço” cada vez mais frequente. Por preguiça ou por desconhecer as regras elementares da citação, alguns assumem-no como um acto normal. A Internet é vista como um supermercado sem preço, onde se vai buscar música, filmes e... trabalhos dos outros. Vários professores contam como apanharam casos de plágios mais ou menos descarados. Por Isabel Leiria e Bárbara Wong

Enquanto estava a corrigir um trabalho de Sociologia da Comuni­cação, Rita Figueiras, professora na Universidade Católica Portuguesa, de Lisboa (UCP), começou a aperceber-se de que as ideias e as palavras utiliza­das pelo aluno lhe eram familiares. Não se deu conta imediatamente que aquele discurso tinha sido escrito por si própria, mas também não demorou muito a reconhecer a intervenção que tinha feito num congresso.

Durante cerca de três anos, um professor do ensino superior manteve uma página pessoal na Internet onde facultava o acesso a vários trabalhos da sua autoria: textos académicos, pequenos artigos, planos de aula. Um dia recebeu uma mensagem de um outro docente de uma escola su­perior de Educação, pedindo-lhe que retirasse os textos da página. É que já tinha detectado vários plágios a partir desses documentos.

Desde então, não só a página está desactivada como o professor decidiu rever os métodos de avaliação dos alunos. Passou a atribuir uma menor importância na classificação final aos trabalhos escritos e a submetê-los a discussão nas aulas. Os interrogató­rios deixaram de destinar-se apenas à avaliação do conhecimento sobre o te­ma, mas também a tentar apurar se os textos foram redigidos pelos próprios estudantes ou por mãos alheias.

 

Trocas com colegas

E por várias vezes este professor apanhou casos mais ou menos “descarados” de situações de plágio. “Ou eram copiados de livros que qualquer docente minimamente in­formado conhecia ou resultavam de uma permuta com colegas de anos mais avançados, ou até de outras escolas. Alguns eram simplesmente copiados de páginas institucionais da Internet”, relata.

Ainda que este possa não ser o com­portamento habitual dos estudantes portugueses, a verdade é que, sobretu­do com a multiplicação da informação na Net e o seu fácil acesso, tornou-se cada vez mais simples ir buscar ma­terial produzido por outros. Nada de mal até aqui, não fora os alunos esque­cerem-se muitas vezes de citar a fonte ou fazerem cópias integrais.

“Pode ser uma questão geracional. Existe a ideia de que a Internet é de todos, é um meio democrático e não há a noção de que há propriedade intelectual. A Internet é vista como um supermercado sem preço, onde se vai buscar a música, os filmes e também o traba­lho dos outros”, acredita Rita Figueiras.

Para José Ferreira Gomes, vice-reitor da Universidade do Porto (UP), o problema coloca-se de forma semelhante:

“Os alunos são ensinados, praticamente desde a esco­la primária, a ir buscar informações à Internet para realizar trabalhos. Nos anos iniciais do ensino, o facto de essas informações serem utilizadas de forma menos correcta não se põe com tanta acuidade. Mas no ensino superior usar indevidamente deter­minadas informações é completamen­te inaceitável”, considera.

O que preocupa, reforça Clara Pinto Correia, coordenadora das pós-graduações e mestrados na Universidade Lusófona, em Lisboa, é a “normalidade que este tipo de plágio está crescentemente a ter para os alunos”. “Nem se apercebem de que estão a plagiar e que o plágio é crime. Quando os repreendemos, ficam muito surpreendidos. Já tive casos de desqualificar trabalhos porque me tinham sido entregues iguais até à última vírgula a material que estava ‘on-line’’, — conta.

 

Milhares de trabalhos “on-line”

A proliferação de “sites” na Inter­net que compilam teses, trabalhos científicos, resumos de textos — os chamados “paper mills” — que são disponibilizados a todos os cibernautas tornam o consumo apetecível. O “essaysmart”, por exemplo, é um desses e anuncia mas de 700 mil tra­balhos “on-line”.

Mas existem centenas de outros. Os temas são os mais variados: de Albert Einstein ao expressionismo alemão, do aborto ao problema das chuvas ácidas. Quase tudo está em inglês, mas encon­tram-se também muitos “sites” bra­sileiros ou trabalhos em espanhol.

Um dos avisos mais comuns prende-se exactamente com a utilização menos correcta” do material produ­zido por outros autores. Porque estes conteúdos devem ser instrumentos de auxílio à pesquisa e não substituir a própria investigação.

Só que a informação à distância de um dique no rato é tanta que pode mesmo tornar-se difícil despistar casos de cibercopianço. “Nem sempre é fácil de detectar mas, quando se trata de teses de mestrado ou de doutoramento, há um cuidado muito maior. Os elementos dos júris já têm por hábito fazer algumas pesquisas na Internet para se certificarem  da originalidade dos trabalhos”, explica o vice-reitor da UP.

 

Fraudes evidentes

José Ferreira Gomes diz ainda que “o problema é relativamente menor nas áreas científicas”. Até porque a Fundação para a Ciência e a Tecnologia tem disponível uma plataforma de informação bibliográfica e bibliométrica, a Web of Knowledge, acessível às instituições de ensino superior. Através dela é possível aceder a bases de dados que possibilitam a pesquisa de títulos e resumos de artigos das re­vistas científicas mais influentes e de actas de conferências.

Outras vezes, a fraude torna-se por de mais evidente. “Em 1945, a Arma­da Vermelha entrou em Pequim”, escreveu um aluno num trabalho final. A frase deixou a professora Isabel Capeloa Gil, da Faculdade de Ciências Humanas da UCP, intrigada. Dois dias depois, a docente encontrou na Internet um artigo do “New York Times” que começava assim: “In 1945, the Red Army...”. Ou seja, o Exército Vermelho e não a Armada. O texto do aluno não fazia qualquer referência ao artigo, do qual traduziu vários excertos. E não tinha sido apenas aquele aluno a plagiar.

“Normalmente, os plágios são feitos de maneira pouco cuidadosa. Ou os estudantes usam um tipo de linguagem à qual não nos tinham habituado, ou são trabalhos muito elaborados por alunos que são mais fracos”, e numera Capeloa Gil.

Ainda assim, Clara Pinto Correia lamenta a falta de informação dos alunos e acredita que “é urgente que haja uma movimentação de professores para confrontar o as­sunto”. • S.S.C.


Britânicos atrás de quem copia da Net

Milhares de estudantes do ensino superior bri­tânico que entregaram os seus trabalhos de curso no mês passado foram submetidos a um teste de despistagem de cibercopianço”, com a introdução, a nível nacional, de um siste­ma informático capaz de detectar situações de plágio. O processo é aparentemente simples:

o trabalho entregue pelo aluno é introduzido no computador do professor e comparado com milhares de ou­tros textos, assim que o programa é accionado. Quatro horas depois, o documento é “devolvido”. Se mais de 75 por cento do texto for encontrado em qualquer outro documento, virá assinalado a vermelho. Se tal acontecer com menos de dez por cen­to, virá a azul. Laranja, amarelo ou verde são as outras cores utilizadas, de acordo com a quantidade de texto copiado, O docente receberá ainda a indicação dos “sites” de onde o material foi aproveitado. I. L.

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Inserido em 20-04-2018