Queda dum Lobo
Está de
luto o Mar!...
Sente-se
alegre o Mar!...
Embora
pareça paradoxo não o é. Está de luto por um amigo dedicado
com quem se habituara a conviver. Alegrou-se o Mar com a morte
dum inimigo tenaz que tantas vezes lhe furtou dos dentes
carniceiros as vítimas que tentava engolir nas suas fauces sem
fim, insaciáveis sempre.
Morrera o
velho Arrais! A sós consigo travou o Mar a maior luta das suas
grandes lutas. Se havia de chorar a morte do Amigo, se havia
de rir, — num riso de vingança — por te desaparecido o seu
terrível Inimigo!
E ficamos
sem saber se são de Dor as suas ondas alterosas como em
protesto ao céu, se são gritos estrídulos de selvagem os seus
grunhidos de gigante, de gozo e alegria.
E o Mar
continuará, ora chorando, ora rindo, num choro em que vai toda
a sua Saudade, num riso onde a Alegria, transparece, na luta
tremenda, luta interna, onde não se sabe quem será o vencedor,
tão igual é a força dos contendores — Amizade, Inimizade.
Foi vencido
o tantas vezes vencedor!
Vingou-se a
Morte, que de há muito o espreitava, dentes aguçados, garras
afiadas, esperando o momento em que as forças o atraiçoassem,
para lhe vibrar o golpe fatal.
Apanhou-o,
já velho e alquebrado, curvado ao peso dos seus 85 anos,
quando já se não podia defender, e arrebatou-o, levou-o
consigo, como quem leva, ao fim duma luta incruenta, os
despojos do vencido.
Foi decerto
com um riso de satisfação e escarninho, que a Parca se vingou
do velho Arrais que com ela brincou por tantas vezes,
tirando-lhe das garras aduncas as presas de que Ela se
vangloriava já.
Tinha de
ser! Nesta luta desigual que logo de começo a Vida trava com a
Morte. Vence esta sempre. Mais cedo, mais tarde, mas vence
sempre. A Vida acaba sempre por vergar-se à Morte! Se a Morte
é a última função da Vida!
Adeus
Arrais! Adeus!
Não mais me
contarás as tuas aventuras do Mar com o pitoresco de narração,
sabendo a maresia, que lhe sabias dar.
Ílhavo, 24
de Fevereiro de 1930.
Machado da Graça
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