O Mito de Ícaro

Ícaro, filho de Dédalo, encontrava-se aprisionado juntamente com o pai, por ordem do rei Minos, num labirinto, do qual se dizia ser impossível sair.

Dédalo, porém, não desesperou, pois sabia que a fuga estava a ser vigiada por terra e mar, mas não no céu. Assim, com o engenho que o tornou célebre, fabricou para Ícaro e para si mesmo umas asas que colou com cera aos seus ombros e aos do filho. Antes de levantarem voo, o velho recomendou sabiamente ao jovem que não voasse nem muito baixo, para não ser visto, nem muito alto, uma vez que o calor do sol poderia derreter a cera. No entanto, quando voavam sem esforço em direcção a Creta, Ícaro começou a sentir-se capaz de novos feitos, dominado e transtornado por aquela nova força que lhe havia sido dada. Imprudentemente, desprezou os conselhos do velho, voando mais alto e aproximando-se cada vez mais do sol, não ouvindo sequer os gritos consternados do pai, que o tentava chamar à razão.

Depressa as asas de Ícaro começaram a derreter. Depois de se soltarem, o jovem caiu no mar e as águas fecharam-se imediatamente sobre si. Dédalo, percebendo que o filho não voltaria à tona, continuou a voar até Creta, onde foi recebido pelo rei com cordialidade.

Conta-se também que Dédalo erigiu, nas ilhas do Âmbar, duas colunas, uma em honra de Ícaro, e outra com o seu próprio nome, e ainda que gravara com as suas mãos, nas portas do Templo de Cumas, o triste fim de seu filho.

O mar onde Ícaro se despenhou passou a chamar-se mar Icário. A ilha, para onde as vagas atiraram o seu corpo já sem vida, começou a ser chamada de Icária.


Ícaro I

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Filomena Vaz – Ícaro

O alcatraz atira-se do alto.
Dobra as asas, e cai.
Do céu à terra é um salto.
Do céu ao mar, um gesto.
Longe, fica o protesto
Que não sobe aonde vai.

Miguel Torga,
in Poesia Completa, volume I

Epístola Para Dédalo

 

Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.

              Fiama Hasse Pais Brandão, in Epístolas e Memorandos


Ícaro

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Luís P. Cambra, "Ícaro I"


Em teu ventre arredonda-se um aquário,
onde um pequeno peixe se exercita
a transformar-se em ave, assim que a vida
lhe permita o destino solitário.
Por seus futuros voos de isolado
desde já nos sentimos intranquilos…
E desde já quiseras preveni-lo
das nuvens de que o céu anda agitado.
Ó Ícaro esboçado!, quem soubesse,
em vez deste saber de coisas vagas,
com que cera devera unir-te as asas
- para que nenhum Sol as desfizesse!

David Mourão-Ferreira, in Obra Poética 1948-1988


Ícaro II

Minhas asas humanas de poeta!
Derreteu-as o sol da lucidez.
Cego, abria-as ao vento
Da inspiração
E voava.
Mas pouco a pouco,
Como quem desperta,
Dei conta da cegueira.
E fui perdendo altura.
Agora, canto apenas
Ao rés-do-chão da vida,
A olhar o descampado
Do céu azul
Aberto à graça doutras emoções
E o canto é triste assim desiludido.
Falta-lhe a perspectiva e o sentido
Que tinha quando eu tinha as ilusões.
  
Miguel Torga, in Poesia Completa, volume II

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Luís P. Cambra, Ícaro II


Ícaro III

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Luís P. Cambra, Ícaro III

O sol do sonho derreteu-lhe as asas
E caiu lá do céu onde voava
Ao rés-do-chão da vida
A um mar sem ondas onde navegava
A paz rasteira nunca desmentida…

Mas ainda dorida
No seio sedativo da planura,
A alma já lhe pede, impenitente,
A graça urgente
De uma nova aventura.

Miguel Torga, in Poesia Completa, volume II


Ícaro

Desejaste o impossível
e a adoração te guiou,
teu pai te alertou
mas não lhe deste ouvidos.
Seguiste os teus sentidos,
cedeste à ambição
e quando menos esperavas
caíste, em vão.

Mónica Lima

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Bruno Moutinho – Ícaro


Memória Inesquecível

   

Caíram as trevas sobre ti,
A tristeza envolveu-te
Neste dia negro
em que teu filho foi vítima.
Sim, de uma fatalidade…
Não esperavas que tal acontecesse.
É possível entender-te
Talvez não o conhecesses,
não o suficiente,
Ou terias adivinhado nele
a sede de ambição, a fome de impossível.
Calcularias a sua morte,
memória inesquecível.

Mónica Lima

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Gabriel Rego – Ícaro e Dédalo

 

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