TEXTO DE AUGUSTO CANETAS

PSEUDÓNIMO DE AUGUSTO FARIA DA COSTA

Editor / Poeta / Escritor / Filósofo

 

Yo-yo 1970
 

Portugal, 1970, época de censura, regime da ditadura salazarista, pelas ruas da consciência ou da inocência… quase um imberbe, quase, porque já tinha uma comissão cumprida em África, 1967/69 mais precisamente em Angola. Um dia, passeava eu há mais de cinco dezenas de anos, pelas ruas da paciente e íntima freguesia da Cova da Piedade, Almada, onde uma refeição custava 3,00 escudos (1 euro e 50 cêntimos). Sou interpelado por dois jovens, que de início pensei tratar-se de propaganda política, era frequente aqui, ali e acolá, jovens pertencentes a movimentos oposicionistas ao regime de Salazar (Presidente do Conselho do governo de Portugal), conscientes, divulgavam manifestos através de folhetos com carácter político, “não à guerra, nem mais um soldado para a guerra colonial”. Não, de facto, como sabiam que tocava e cantava, convidaram-me a concorrer ao festival de canção que se realizava na Associação Cultural Incrível Almadense em Almada. Aceitei a ideia, disseram que gravasse uma cassete com a música e a letra originais e enviasse para a Associação Incrível Almadense. Descomprometido, assim fiz. Uns dias depois, não me lembro quantos, mas foram curtos, recebi a notícia com enorme contentamento de que estava nomeado para os dez finalistas! No dia do evento, o auditório estava à pinha, talvez cerca de duas mil pessoas (2000). O festival estava marcado para as 21h30, já passava das 23 horas e nada! O ambiente era aterrador, as pessoas, entre elas, segredavam aos ouvidos, questionavam; mas a final o que é que se passa?! O medo estava hospedado. Subitamente, no palco, sozinho, aparece uma figura singular, um homem de estatura média, com um vozeirão de bradar aos céus, era José Carlos Ary dos Santos! Relaxado e sem receio, interpelou a plateia: camaradas, estão cá dentro mais de sessenta (60) PIDES (Polícia Internacional de Defesa do Estado), mas a nós não nos metem medo, o festival vai-se realizar, ninguém arreda pé, vamos dar início, chamar os concorrentes. No fim foi anunciada a classificação por ordem inversa, eu, embora nervoso, aguardava serenamente pelo resultado da minha canção, que, aliás, nada esperava, com o título “Primavera”. A contagem já ia no 4º classificado, a minha canção ainda em branco, foi quando eu disse para os meus botões, sou o 3º! Admirado, também não foi anunciado o (2º)! Até que finalmente sou declarado o vencedor, “Primavera”. O prémio consistia em ir à RTP – Tóbis, gravar. Verdade, estive lá e gravei, mas não apareceu nada, fui censurado! Depois, passei pela discográfica Valentim de Carvalho para gravar um CD, talvez fosse o início da minha carreira artística, pelo contrário, não me chamaram! Como se não bastasse, fui visitado no meu quarto particular, três dias após, por 5 PIDES às 4 horas da manhã, mexeram e remexeram, só faltou rasgar o colchão, tirar o folhelho, deixaram tudo de pernas para o ar! No meu quarto coabitava um amigo, civil, levaram-no, nunca mais soube dele! Procuravam (folhetos) propaganda política, perguntaram-me pela minha poesia, os meus poemas, levaram todos que encontraram, e, levaram-me também para interrogatório. Como estava limpo, 48 horas depois, e talvez por ser marinheiro, saí em liberdade. Entretanto, fui chamado no Ministério da Marinha ao Vice-Almirante Ornelas e Vasconcelos, do qual eu era seu ordenança. Disse-me que tinha duas hipóteses: abandonas o estilo de música ou vais para as colónias, África, Angola. Respondi: Sr. Almirante, vou para Angola.

 

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