Posso
dizer-lhe adeus! Lá vai o casamento
Precisamente então na hora, no momento
de
ser feliz! Foi hoje... Eu ia ser feliz...
Eu
ia-me casar. A minha estrela quis,
que
eu mesmo! já na igreja! aos pés do sacerdote!
de um
piparote, um triste, um simples piparote
escangalhasse tudo, e tudo escangalhei!...
Entrei para casar e saí como entrei!
Os
padrinhos à porta ainda me diziam,
que
levasse isto a rir e com efeito riam,
mas
eu queria ver ,algum no meu lugar...
Seis
meses! Foram seis, que a andei a namorar!
E
então com que trabalho e então com que cuidado
de
nunca me amostrar, senão pelo bom lado,
fazendo-me julgar por ela e pelo pai
por
aparências só. É sempre o que as atrai...
Insinuei-me enfim. Conquisto um paraíso...
a
ventura do lar − Um sonho, que eu realizo...
Uma
mulher completa, uma mulher ideal...
Nutridinha talvez, mas não lhe estava mal;
e
depois, antes mais que menos, ou postiço.
Uma
mulher perfeita e simples, se é que há disso.
Adorava-a! O papá dotava-a num milhão...
Casamento de amor, de pura inclinação...
Pois
bem; todo este céu desaba num momento,
como
tomba no plaina aos encontrões do vento
uma
pobre cabana esfrangalhada e tosca:
e o
autor do desastre? − o autor? Uma mosca!
Com
mil demónios, é ridículo, não é?
Visto
a minha casaca e parto. Entro na Sé.
Estava lá uma mosca e dá-lhe na mania
cumprimentar o noivo, e ela aí vem! Sentia-a
pousar-me no pescoço e eu, sem desconfiar
que
fosse um plano hostil, julgando-a a passear,
uma
mosca ociosa, uma mosca turista,
que
ia ver no nariz do cura ou do sacrista,
na
bochecha dum santo, em qualquer parte enfim,
e de
passagem pôs um pied à terre em mim,
fiz
este movimento erguendo um pouco um ombro
ela
aproveita e vai; mas qual é o meu assombro!
A
infame, executando os planos seus hostis,
instala-se-me aqui na ponta do nariz!
Cuidei que ela atacasse algum dos convidados,
mas
debalde esperei; por mal dos meus pecados,
a
vítima era eu. Vinte vezes voou.
Mas
gostou do nariz, não sei o que lhe achou...
voltava logo ali... Fiquei até cismático!
|
Que
diabo é que ela achou, no meu nariz, simpático?
pensava eu comigo, ou também podia ser,
que a
mosca ali viesse unicamente − ver –
Quis
ver a cerimónia até que alguém a enxote
e faz
do meu nariz tribuna ou camarote...
Nada
disso. Era um laço, era um plano infernal!
Parecia fugir em me eu movendo... Qual?
Era
um ardil de mosca apenas! Pura táctica...
Voltava logo, logo... E então durante a prática,
que o
padre nos fazia antes de dar o nó,
apesar de eu saber que a mosca andava só,
passeou-me a cara toda a passo e de maneira
que
parecia andar com a família inteira,
as
tias, mãe, irmãs, as primas... Eu sei lá!
a
parentela toda! Oh! Juro que não há
martírio igual àquele. Eu já nem via nada
senão
confusamente o padre e a igreja armada.
Suave
de aflição, sentia-me febril,
queria-me vingar daquele insecto vil,
trucidá-lo também numa agonia lenta...
Nisto
debruça-se ela a espreitar-me uma venta!
Senti
fugir-me então a luz da vida e − zás –
arremesso a mão, mas não como se faz
para
as colher no ar; foi uma bofetada
e
boa, que foi dar em cheio e bem puxada,
céus!
na cara da noiva!... O pai lança-se a mim...
«Foi
mosca, bradei eu, foi mosca... Foi, pois sim...
Quanto mais lhe gritava, o maldito do velho,
da
cor de um rabanete, ainda mais vermelho,
mais
custava a conter engalfinhado em mim!
Desatou-me a gravata! Um escândalo, enfim...
«Bateu na minha filha, exclama o desalmado
esbracejando, fulo e de olho esbugalhado,
apoplético, rubro, envolto no albornó,
como
um jambon de York debaixo de um chinó;
um
animal feroz, o diabo do velhote!
Um
verdadeiro sogro, um desses que dão dote,
os
mais terríveis, sempre. O caso é que me vi
fatalmente perdido e então, sem mais, fugi...
O
demónio do velho! Estúpido! Está claro,
se eu
quisesse bater no seu pimpolho caro,
não
tinha precisão de antecipar-me assim...
Podia-lho fazer depois, mais tarde... Sim,
eu
ia-me casar, se eu fosse um desses brutos,
não
tinha de esperar senão alguns minutos.
O que
me custa mais, o desespero meu
é o
naufragar no porto, e então em que escarcéu!
É ver
a causa vil de tão espantoso efeito...
É a
mosca, a mosca só. Tanto mais que eu suspeito
que
há política nisto. Aqui andou má fé...
Uma
mosca a flanar tão cedo pela Sé!...
Uma
mosca beata! E agora! Em pleno inverno!
É
política... Aquilo é mosca do governo,
que
lhe ordenou de vir fazer-me o que me fez,
porque o círculo aqui, se eu caso, é duma vez.
Hein?!
Quê?! Ouvi zumbir! Ó Deus, Ó Providência!
É
ela! É a minha mosca! É ela... Aqui!... Prudência.
Fechemos a Janela... Agora... a porta... Assim...
Lá
anda! Agora, nós... És minha... Até que enfim...
Então? desce daí... Vem fazer do meu rosto
praça
pública, vem. Tenho até muito gosto.
Desce; vem descansar as asas juvenis,
pousar comodamente aqui no meu nariz...
Inda
agora, na Sé, tu foste muito amável
achando o meu nariz bem feito, confortável,
bonita vista... Então, então, vem cá...
|