Manuel Ançã. Poeta e oradorConselheiro Nunes da Silva (Pres. da Comissão de Direito Marítimo Internacional)Cónego José Maria Ançã (Poeta aveirense)

Como publicista, deixou vasta obra, onde avultam os dez volumes de «Memórias», valiosos subsídios para a história da política / 28 / portuguesa dos últimos cinquenta anos; e, sozinho, criou e escreveu um jornal − “O Povo de Aveiro” − que teve a maior aura na imprensa portuguesa. Ao contrário do que muitos supõem, não foi, apenas, um demolidor: ao lado dos seus artigos violentos e mordazes, não faltaram campanhas construtivas, de que são exemplo os milhares de artigos que escreveu a favor da instrução popular e defendendo os melhoramentos de Aveiro.

Conselheiro José Luciano de Castro, várias vezes Chefe do GovernoA excessiva violência − por vezes injusta − dos seus comentários, e a sua sistemática intransigência, criando-lhe inimigos, impediram-no de prestar maiores serviços ao país, onde poderia ter exercido altas funções; mas esses mesmos traços violentos emprestam grandeza ao seu perfil.

Tive a honra de ser seu amigo, e nalguns livros seus me dedicou palavras generosas e penhorantes. Não o admirei pelos seus defeitos, mas porque, desde muito novo, reparei nas suas qualidades, e reagi contra a incompreensão dos que muito concorreram para lhe amargurar a vida.

Uma figura de tão rica e complexa personalidade não pode ser tratada em meia dúzia de linhas. Merece e justifica monumental biografia que eu gostaria de poder escrever.

No jornalismo, nas letras, nas artes, muitos outros valores de Aveiro devo mencionar. Como o poderei fazer dentro de limitado espaço?

Na poesia, brilharam os seguintes nomes: José Maria Ançã, que foi vice-reitor do seminário de Beja; seu irmão Manuel Ançã, também grande orador; Alexandre da Conceição, poeta e prosador − todos naturais de Ílhavo. Em Águeda nasceram os poetas Homem de Melo, Dr. Adolfo Portela, José Maria Veloso e o inspiradíssimo Fernando Caldeira, que escreveu as deliciosas peças de teatro: «Mantilha de renda» e «Madrugada». Não faltou um poeta popular, Manuel Alves, «O poeta cavador», natural da Anadia, que foi muito acarinhado pela crítica. Mas entre todos se distingue o desventurado Manuel Laranjeira, médico, nascido em Vila da Feira, e que se suicidou em Espinho, deixando o prólogo dramático «Amanhã», «A doença da Santidade» (ensaio psico-patológico); um volume de versos «Comigo», «A Cartilha Maternal» e a «Fisiologia», (ensaio médico-biológico), tendo aparecido agora um livro póstumo «Cartas», com prefácio de Miguel Unamuno, que muito o admirava.

Como escritores, temos o falecido romancista João Grave, natural de Vagos, Sá de Albergaria, de Arouca; Gastão de Melo Matos, arqueólogo, natural de Aveiro; o padre Serafim Leite, historiador, de S. João da Madeira; o Dr. Alberto Souto, crítico de arte, conservador do Museu de Aveiro; Dr. Vaz Ferreira, publicista, de Vila da Feira; o padre Miguel de Oliveira, brilhante jornalista e historiador; e diversos outros distintos publicistas, alguns dos quais honram o presente número da Revista “Turismo” com os seus escritos, pedindo aos que não cito que me relevem a involuntária omissão.

Em outros ramos de actividade espiritual, intelectual e artística, conta Aveiro altos valores que não posso esquecer: o Senhor Arcebispo-Bispo de Aveiro, D. João de Lima Vidal, e o Senhor Bispo de Helenópolis, D. Manuel Trindade Salgueiro, de Ílhavo, que além de eminentes figuras da Igreja também são eruditos escritores. O Dr. Amândio Pinto, de Estarreja, médico-cirurgião de grande prestígio; o Dr. Castro Soares, médico cultíssimo, actual governador civil de Coimbra; e o Dr. Nunes da Silva, antigo presidente da Comissão de Direito Marítimo Internacional.

Nas artes plásticas, o grande pintor Fausto Sampaio, natural de Anadia, com obras consagradas pela crítica, e a quem o país deve o melhor documentário pictoral das Colónias; o Dr. João Carlos, desenhador delicadíssimo, autor de belos quadros e preciosas ilustrações, natural de Ílhavo; e o Dr. Arlindo Vicente, espírito brilhante, que neste Número da Revista “Turismo” publica um dos seus belos desenhos.

Deixámos para o fim três figuras que se destacam na vida portuguesa: o Dr. Egas Moniz, o romancista Ferreira de Castro e o Dr. Manuel Rodrigues Lapa.

O Dr. Egas Moniz, natural de Estarreja, é uma das grandes figuras da ciência médica contemporânea. Várias vezes presidente da Academia das Ciências e individualidade de reputação internacional. A sua obra de cientista, médico e professor, e o seu alto valor mental, dispensam comentários.

Ferreira de Castro, natural de Oliveira de Azeméis, é um dos maiores romancistas portugueses, autor de notáveis livros traduzidos em diversas línguas, e agora mesmo revelando uma das suas brilhantíssimas facetas de escritor eminente com a sua obra «Volta ao Mundo», que alcançou a maior tiragem de livros portugueses. É um escritor que honra a literatura nacional e desfruta merecido e singular prestígio,

O Dr. Rodrigues Lapa, natural da Anadia, antigo professor catedrático da Faculdade de Letras, é dos mais lúcidos e sabedores publicistas contemporâneos, dedicando-se a estudos literários de crítica e interpretação de clássicos, possuindo indiscutível autoridade em ciência literária.

Enumerámos muitos nomes nesta longa notícia, para chegarmos à seguinte conclusão: uma região que no seu panorama intelectual apresenta valores como: o romancista Ferreira de Castro, o eminente professor Dr. Egas Moniz, o professor e ensaísta Dr. Rodrigues Lapa, o vigoroso jornalista Homem Cristo, o eloquentíssimo José Estêvão, o sábio jurista Visconde de Seabra, tem motivos para orgulhar-se. Tal floração espiritual está de harmonia com a imponência maravilhosa de galas com que a Natureza a dotou.

Julião Quintinha
 

 

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