Após um ano conturbado no
Bairro da Beira-Mar, em que todos os moradores andaram com medo de
apanhar a estranha Doença das Pintas e de andarem sarapintados durante
algumas semanas, parece que, finalmente, a suave normalidade dos dias
regressa a este cantinho de Aveiro...
A D. Joana tem ainda outra netinha a caminho, o que foi uma grande
surpresa para todos, e que vai ser baptizada de Maria Benvinda. O Sr.
Carlos passou o Verão a correr os bailaricos da região, pois anda
bastante bem do joelho e tem de aproveitar enquanto pode.
A Manuela e o
Pedro fizeram as pazes outra vez e já todos acham que só discutem para
depois darem beijinhos ainda mais apaixonados...
Não esquecendo, claro, os mais conhecidos moradores do Bairro da
Beira-Mar, o Papa Cavacas e a D. Nassa, que agora andam sempre
coladinhos um ao outro!
Até o Papa Cavacas, mal-humorado e rezingão, tem que reconhecer que a D.
Nassa ficou sempre ao seu lado e não o abandonou quando se viu todo
pintalgado devido à estranha maleita que assolou a Beira-Mar!
As beijocas mais repenicadas fazem eco por todo o Bairro!
SMACK SMACK SMACK!
S. Gonçalinho, sem dúvida que é um bom casamenteiro!
A receita para apaixonar-se perdidamente é levar com uma grande cavaca
na cabeça, como aconteceu com o Papa Cavacas!
S. Gonçalinho está sempre presente no Bairro da Beira-Mar, mesmo quando
nos assustamos e quase não o sentimos.
Nesses momentos negros, basta irmos à capela e desabafar com o Santinho
tudo o que nos preocupa e o S. Gonçalinho está sempre lá a ouvir as
preces, os pedidos e as promessas.
Todos os habitantes já começam a pensar que a Festa se aproxima e que
este ano vamos mesmo celebrar!
A Mordomia também já iniciou os preparativos.
Toca a fazer os peditórios, pois todos têm de ajudar, escolher as bandas
que vão animar a Festa, encomendar os foguetes e, claro, fazer e fazer e
fazer quilos e quilos e mais quilos de cavacas! Bem duras e docinhas,
remédio para todas as aflições e para compensar o Nosso Menino, o nosso
S. Gonçalinho, que está sempre lá em cima a ajudar!
As promessas não podem falhar e as cavacas têm de estar prontas para
serem lançadas do topo da Capela, para todos alegrar e, claro, para
rilhar com os amigos e a família!
As cavacas têm de ser arremessadas para todos os devotos cumprirem as
promessas que fizeram ao S. Gonçalinho.
Tudo corre bem!
Demasiado bem até...
Todos confiam que o Papa Cavacas se corrigiu, tendo passado por tantas
aventuras nos últimos anos, sendo resgatado da Ilha dos Cocos e
recuperado da Doença das Pintas, que já compreendeu que a Festa e as
cavacas são de todos e para todos. Tão apaixonado que anda, tão ocupado
com as beijoquices, claro que não tem tempo para pensar em patifarias!
No café do bairro só se discute como será o cartaz da Festa e ninguém,
mesmo ninguém, anda de olho no Papa Cavacas!
Nem o Mordomo Pedro, nem o Joãozinho, nem o Juiz da Festa desconfiam que
o Papa Cavacas possa estar a preparar alguma...
Claro que o Papa Cavacas não se emendou!
Ele gosta mesmo muito da D. Nassa, mas as cavacas, cavaquinhas são a sua
perdição! Ainda para mais a D. Nassa concorda com ele!
As cavacas são irresistíveis e não têm nada que ser partilhadas com
todos. As cavacas devem ser todas, todinhas apanhadas pelo Papa Cavacas
e pela D. Nassa e por absolutamente mais NINGUÉM!
O Papa Cavacas tem de fazer valer o seu nome! Qual partilha? Qual
generosidade? Qual amizade? Qual solidariedade?
Ele chama-se Papa Cavacas. O nome diz tudo.
É alto, magriço, atilado, mal-humorado, rezingão e quer as cavacas todas
para ele! Não há excepção!
TODAS AS CAVACAS. Mesmo todas. Pronto.
O Papa Cavacas e a D. Nassa têm um plano perfeito. Tão simples e vai ser
tão eficaz. Até porque ninguém lhes está a prestar atenção. Acham que
eles andam a passar tanto tempo à volta da Capela só para darem
beijocas? Não... As beijocas são só para disfarçar! O seu plano, muito
planeado pela D. Nassa, está em curso!
A D. Nassa é uma excelente tricotadeira. Já há semanas que tricota sem
parar. Tricota e namora o Papa Cavacas no Largo da Capela. Dão cada vez
mais beijos repenicados e, quando ninguém está a olhar, vão medindo o
Largo da Capela. Precisam de saber, com exactidão, todo o perímetro da
Capela e toda a largura do Largo. Lá vão tirando as medidas com a fita
métrica e mal alguém passa, toca a dar mais uma beijoca! Belo disfarce!
D. Nassa não podia andar mais feliz. Tem a desculpa perfeita para dar
beijos de todo o tipo ao Papa Cavacas, além de que é uma peça
fundamental no plano de apanhar todas as cavacas. Mesmo TODAS. Não
escapar nenhuma! E lá vem o Pedro... Toca a agarrar o Papa Cavacas e
SMACK! Ninguém desconfia do ardil!
No Bairro da Beira-Mar, na verdade, já andam a ficar enjoados com tantas
beijoquices! Ajuda-nos, Nosso Menino!
Foram de rezingões a um par de beijoqueiros! Já não os podemos ouvir!
SMACK! SMACK! SMMMMAAAACKKKK! SMACK! SMACK... SMACK! SMAAAACK!
As conversas no Café do Sr. Paulo são todas sobre o namorico imparável:
– Temos que ter paciência... Eles estiveram separados quando o Papa
Cavacas foi atirado para a Ilha dos Cocos, depois veio a Doença das
Pintas, agora andam a compensar!
– Sim, é verdade! Mas.. Ó Sr. Joaquim, não há vez que passe pelo Largo
da Capela sem eles lá estarem agarrados! E as beijocas têm que ser tão
altas? Ontem acordaram a Maria Benvinda. Não é que finalmente tinha
adormecido quando, de repente, SMACK! Até a bebé se assustou!
– Ser jovem e apaixonado...
– Acho que quero o Papa Cavacas rezingão de volta!
Enquanto os moradores do Bairro andam distraídos, o plano do Papa
Cavacas e da D. Nassa avança a coberto do disfarce das beijocas.
Fazem-se medições do largo e tricota-se, tricota-se...
O que podem estar a preparar? Será que S. Gonçalinho anda também
distraído e não os está a topar?
A Festa aproxima-se. Começa-se a montar o palco, organiza-se a casa e
abrem-se as portas para todos os amigos e vizinhos receber. Chegam os
vendedores de bolos e cavacas!
Começa a Festa! Viva o Nosso Menino! Nosso Rico S. Gonçalinho!
PUM! PUM! PUM!
Lá estão os foguetes!
BLEM! BLEM! BLIM! BLEM! BLÉIM! O sino a repicar!
E se o sino está a repicar é porque se atiram CAVACAS!
Os devotos já fazem fila à porta da sacristia cheios de sacos de
cavacas.
Os primeiros já estão lá em cima!
Cá em baixo todos olham para cima expectantes... Lá vêm as cavacas!
Mas... eis que uma rede gigantesca se abre e abarca toda a capela! Uma
super nassa!! Como é possível? Nem uma única cavaca chega aos fiéis: nem
adultos, nem crianças!
NENHUMA!
Afinal o Papa Cavacas não andava assim tão apaixonado!
Nem a D. Nassa... Bem que enganaram todo o bairro da Beira-Mar!
Estão a apanhar todas as cavacas, nem uma deixam escapar!
Mas será que o S. Gonçalinho vai deixar?
PUM! PUM! PUM!
Os foguetes continuam a soar, mas o sino pára de repicar... Os devotos
não querem lançar as cavacas se TODAS vão
parar à rede gigante que o Papa Cavacas e a D. Nassa criaram...
Assim, não há Festa...
Mas, de repente, as cavacas começam a voar pelos ares e a saltarem para
fora da Super Nassa!
A gigantesca rede tricotada pela D. Nassa solta-se e eis que vai cair
direitinha em cima dos dois malandros que tentaram roubar todas as
cavacas! Sem uma única cavaca lá dentro! Estão os dois presos na Super
Nassa e nada podem fazer!
Bem feito!
S. Gonçalinho deu-lhes uma grande lição.
Não quiseram partilhar uma única cavaca e agora ficam sem nenhuma!
Só lhes resta choramingar e nem se querem beijocar!
S. Gonçalinho salvou a Festa!!
PUM! PUM! PUM! Os foguetes sem parar!
BLEM! BLEM!
BLIM! BLEM! BLÉIM!
BLEM! BLEM! BLIM!
BLEM! BLEIM!
BLEM! BLIM!
BLEM! BLEIM!
PUM! PUM!
Os sinos a repicar e as
cavacas não param de voar!
Viva a Festa! Viva o Nosso
Menino!
Viva a Festa de S. Gonçalinho! |