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4ª Série - Número 3 - Dezembro de 2000 - pp. 12-18

 

José Jorge de Campos Sá-Chaves

 

Na sequência da intervenção feita no Encontro dos dirigentes das escolas de Aveiro, organizada pelo Centro de Formação José Pereira Tavares, em 8 de Julho de 1999, e no sentido de transmitir de forma mais precisa e sistematizada a minha experiência pessoal, apresento, conforme referi na altura, um resumo escrito das actividades desenvolvidas, no intuito de contribuir para a história da gestão democrática das escolas, a qual encerrava enormes potencialidades que superavam de longe as debilidades que certamente todos lhe reconhecíamos.

O meu nome é José Jorge de Campos Sá-Chaves. Exerci as funções de Presidente do Conselho Directivo da Escola Preparatória João Afonso de Aveiro nos anos lectivos de 1979/80 e 1980/81, tendo as circunstâncias em que fui levado a assumir funções, sido no mínimo, inesperadas.

Não tendo havido listas concorrentes ao conselho directivo, facto que acontecia há vários anos naquela escola, procedeu-se a uma votação uninominal entre os docentes (de acordo com a legislação em vigor à data), e embora apenas tivesse regressado à escola há um ano, após uma ausência de seis anos em funções de inspecção e de orientação no ensino básico, fui o professor mais votado.

Nestas circunstâncias fui colocado perante a perspectiva de assumir a presidência do conselho directivo, sem equipa de trabalho e sem Programa de Acção.

Estes foram os dois primeiros problemas a resolver e pela forma original como os ultrapassámos penso merecerem aqui uma referência.

O completamento da equipa directiva no que se refere aos restantes quatro docentes foi após a escolha por mim do primeiro elemento, feita por cooptação sucessiva, respeitando os seguintes critérios de base:

–       Capacidade de trabalho em equipa (por conhecimento e experiência pessoal);

–       Competência profissional reconhecida;

–       Experiência em áreas de gestão e/ou administrativas;

–       Representação alargada dos diferentes grupos disciplinares;

–       Boa aceitação por docentes e funcionários / 13 /

A escolha do representante do pessoal não docente foi feita por eleição directa, de entre os seus membros, como era prática nestes casos.

A elaboração de uma proposta de Programa de Acção, abrangendo as dimensões pedagógica, administrativa, relacional e cultural, constituiu um primeiro teste à capacidade de trabalho do grupo e serviu para um melhor entrosamento e criação de um verdadeiro espírito de equipa.

Ultrapassada aquela fase, foi a proposta submetida à apreciação do pessoal docente e não docente com o duplo objectivo de, por um lado obter os contributos de todos comprometendo-os nas actividades que resultassem directamente do desenvolvimento do programa e por outro legitimar a acção do Conselho Directivo enquanto colectivo.

Devo referir que a discussão da proposta de Programa de Acção, levada a cabo em reuniões separadas de professores, pessoal administrativo e pessoal, auxiliar teve um elevado nível de participação e resultou em contributos importantes para o documento final o qual, após reformulação, foi aprovado.

O Programa de Acção remetido à Direcção Geral do Ensino Básico (DGEB) para conhecimento, mereceu da parte do director geral um ofício em que fazia uma apreciação muito positiva do mesmo e incentivava à sua concretização e avaliação final.

Na sequência do Programa, foi posteriormente elaborado um Plano de Actividades, o qual foi igualmente aprovado pelos funcionários da escola, docentes e não docentes.

O Programa, pelo seu carácter ambicioso, não se esgotou de forma alguma no Plano de Actividades definido para o primeiro ano, tendo, por isso, e pelo apoio demonstrado por colegas e funcionários, decidido aceitar mais um ano de mandato, mantendo os restantes membros do Conselho Directivo, com excepção de uma colega que, na sequência de concurso, havia sido colocada noutra escola.

Considero que as condições em que se desenvolveu a nossa experiência de gestão foram especialmente favoráveis, quer do ponto de vista interno, apesar das dificuldades de ordem administrativa e orçamental, quer externo, pela abertura à inovação e apoio demonstrado pela DGEB e pela receptividade e apoio tanto da / 14 / Associação de Pais como da Câmara Municipal.

De entre as iniciativas desenvolvidas, permito-me salientar algumas que, na época em que ocorreram, já lá vão vinte anos, constituíram inovação e foram suficientemente consistentes para levar em alguns casos à apropriação e posterior regulamentação pela DGEB.

A realização de acções de formação para docentes, organizadas pela escola, durante os períodos de férias escolares, registaram uma participação de cerca de 90% dos professores. A sua realização foi possível lançando mão dos recursos existentes na própria escola (orientadores de estágio), da colaboração de docentes da Universidade de Aveiro e de formadores disponibilizados pela DGEB. Os temas tratados foram Avaliação; Dinâmica de grupos; Trabalho de projecto; Tecnologia educativa; Psicologia do desenvolvimento – a estrutura da inteligência e perspectivas pedagógico didácticas; Insucesso Escolar; Avaliação Escolar – aspectos da apreciação global.

Esta iniciativa correspondeu à satisfação de uma necessidade sentida e manifestada pelos professores da escola que, na sua maior parte (cerca de 70%), não eram profissionalizados.

A abertura dos seminários promovidos pelos núcleos de estágio, à participação dos docentes do respectivo grupo disciplinar constituiu mais uma oportunidade de formação, facilitada pelo facto da escola trabalhar em regime de desdobramento, o que permitia a compatibilização dos horários lectivos com o das acções de formação.

O planeamento anual de cada disciplina, realizado pelos delegados de disciplina conjuntamente com os colegas da respectiva disciplina, antes de iniciado o ano escolar e a sua articulação com o dos outros grupos disciplinares, em que era programada a realização de actividades conjuntas, foi uma das iniciativas inovadoras que permitiu um elevado grau de dinamização da escola.

A organização de um colectivo dos directores de turma e da sua coordenação e apoio, se não esteve na origem, pelo menos antecipou a criação do conselho de directores de turma e dos coordenadores dos directores de turma.

Após a criação do cargo de coordenador dos directores de turma a escola remeteu à / 15 / DGEB uma proposta de redução de horário pelo desempenho do cargo, o que veio a ser regulamentado e generalizado pouco tempo depois.

A concepção do dossier do director de turma contendo um resumo organizado da legislação e outra informação pertinente para o desempenho das respectivas funções, o qual era mantido permanentemente actualizado por um grupo de apoio aos directores de turma, foi implementado na escola no ano lectivo 1979/80, precedendo com muita antecipação a institucionalização pela DGEB.

A análise dos processos individuais dos alunos que transitavam do 1.º para o 2.º ciclo do ensino básico, solicitados às escolas de onde provinham e a sua análise, tendo em vista a recolha de dados pelo director da respectiva turma, veio proporcionar um melhor conhecimento de cada aluno e despistar casos especiais ainda antes de iniciado o ano escolar, com reflexos positivos na relação ensino-aprendizagem.

A definição de critérios para a gestão das horas dos directores de turma, proposta submetida pelo conselho directivo ao conselho pedagógico que aprovou, foi uma das medidas inovadoras da qual foi dado conhecimento à DGEB e na sequência do que surgiu o despacho que a institucionalizou.

O estabelecimento de currículos adaptados para alunos integrados numa turma de supletivos, constituída no ano de 1980/81, foi o resultado de uma proposta submetida à DGEB e que mereceu a aprovação daquela Direcção Geral. Esta medida teve efeitos muito positivos no sucesso escolar dos alunos envolvidos.

A análise dos resultados da avaliação após cada período lectivo, feita por um grupo de trabalho e incidindo sobre cada turma e sobre cada professor relativamente ao conjunto das suas turmas (proposta apresentada pelo conselho directivo e aprovada pelo conselho pedagógico), resultou na evidência de disparidade nos critérios de avaliação aplicados em alguns casos, que pelo simples facto de terem sido detectadas levaram à alteração de atitudes e comportamentos de alguns docentes, com reflexo positivo nas avaliações dos períodos seguintes.

A escolha e afixação da relação dos livros adoptados e do material escolar necessário a cada disciplina, antes do início das aulas (sendo enviada uma relação a todas as livrarias e papelarias da cidade), foi implementada desde o primeiro / 16 / mandato antes portanto da DGEB ter regulamentado a mesma medida.

A recepção aos encarregados de educação por equipas de professores, aproveitando a obrigatoriedade administrativa de vinda à escola para confirmação da matrícula, antes de iniciado o ano escolar, possibilitou contactar a quase totalidade dos encarregados de educação dos alunos do 1.º ano (actual 5.º ano), permitindo detectar casos especiais, os quais foram alvo de entrevista individual. Serviu igualmente para aproximar os pais e a escola, e em particular desbloquear as relações com o director de turma, dando simultaneamente a conhecer o funcionamento da escola e dos diferentes serviços de apoio aos alunos.

A realização de acções de formação para o pessoal auxiliar (actualmente designado por auxiliar de acção educativa) foi considerada uma das prioridades e levada a efeito durante os períodos de férias lectivas imediatamente antes do início dos anos escolares.

O baixo nível de escolarização do pessoal e o facto de nunca ter tido qualquer tipo de preparação para uma relação de carácter educativo com crianças e jovens, foi razão mais do que suficiente para justificar a iniciativa, cujos resultados não tardaram a tornar-se evidentes. A Comunidade escolar e a acção educativa: o pessoal auxiliar, seu relacionamento e acção junto dos alunos; Características psicológicas do pré-adolescente: comportamento do adulto perante o pré-adolescente; foram os temas tratados com os necessários cuidados, quer quanto ao nível da linguagem, quer da profundidade dos temas, respectivamente nos anos lectivos 1979/80 e 1980/81, com o apoio de docentes da escola.

Com o apoio da Associação de Pais e a colaboração da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), tendo por objectivo aumentar as condições de segurança da escola e de apoio aos alunos em caso de emergência, realizou-se um curso de formação de socorristas, no qual participaram docentes e funcionários e que culminou, após prestação de provas, com atribuição de diplomas de socorrista da CVP.

A implementação de recreios vigiados, com recurso ao pessoal auxiliar, e a colaboração de alguns professores, surgiu em consequência da constatação do elevado número de acidentes e de conflitos ocorridos durante aqueles períodos, constituindo uma medida inovadora com evidentes benefícios para os alunos e / 17 / reflexos no clima da escola.

A criação do jornal "Moliceiro "com periodicidade trimestral visando a dupla função de meio de acção pedagógica e de elo de ligação escola/família, cuja publicação se mantém até hoje, dispensa qualquer outra justificação.

A programação e realização de uma série de conferências sobre um tema que congregasse o interesse de pais, encarregados de educação e professores, capaz de dinamizar as relações Escola/Família encontrou a sua objectivação no tema geral

A Educação Sexual na Escola.

Esta iniciativa proposta pelo núcleo de estágio do 5.º grupo tinha como objectivo alertar os pais para a premência do esclarecimento dos jovens em fase pré-púbere e da necessidade de se encontrarem formas articuladas de o fazer, entre a família e a escola.

As conferências intituladas, Axiologia e Sexualidade, pelo Dr. Fernando Vieira, a Medicina e o Sexo, pelo Dr. Moreira Lopes, a Psicologia da sexualidade e a Sociologia da sexualidade, pelo Prof. Doutor Miranda Santos, a que se seguiu uma mesa-redonda sobre A Educação Sexual na Escola com a intervenção dos Prof. Doutor Walter Oswaldo da Universidade do Porto, Prof. Doutor Miranda Santos da Universidade de Coimbra, Prof. Doutor Meireles Coelho da Universidade de Aveiro, Dr.ª Marília Tomé da DGEB e do Padre Vítor Feitor Pinto, foram iniciativas que mobilizaram não só pais e professores da escola como muitas outras pessoas ligadas a certos círculos bem caracterizados e constituiu pela polemicidade do tema e pela qualidade científica e pedagógica das intervenções um marco na vida da Escola, com enorme repercussão na cidade.

Um dos objectivos do programa de acção reflectido nos planos de actividades e que à época constituiu um dos maiores factores de novidade pela sua aplicação à organização escolar foi o da melhoria do clima da escola. Baseado no conceito de clima definido pela Sociologia das Organizações constituiu uma das preocupações principais da acção do conselho directivo, durante os dois anos em que conduziu os destinos da escola, e que se encontra reflectido em algumas das iniciativas atrás descritas e em muitas outras que as limitações deste testemunho não / 18 / permitem descrever.

Passados dois anos, considerámos haver cumprido com dignidade o mandato que os colegas nos haviam confiado, pelo que entendemos não nos candidatar nem aceitar nova indigitação, cedendo o lugar a outros com novas ideias e iniciativa e eventualmente com maior capacidade de concretização.

Por muito gratificante que tenha sido o desempenho de funções de gestão, o que nos motiva e apaixona, e para o que nos estamos científica e pedagogicamente preparados é a docência, por tal, sentimos necessidade de a ela regressar.

Não posso terminar sem testemunhar, nesta oportunidade, que o trabalho realizado foi o resultado do esforço de uma equipa e manifestar público reconhecimento àqueles que me acompanharam naquela jornada: Professores Maria Beatriz Correia de Melo, Maria da Graça Amorim, Padre Albino Rodrigues de Pinho, Maria Eugénia Carvalho e Maria Helena Albuquerque Tavares e ainda à representante do pessoal não docente Maria Suzete Lemos Matos Carvalho Reis.