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        A mão que embala o berço 
          
        
        O debate sobre o ensino secundário espera que todas as 
        partes discutam num plano convencional ou convencionado entre elas ou 
        por algumas delas. 
        
        Por um lado, não há quem esteja interessado em discutir 
        porque é que se chama ensino secundário e não educação secundária, ou 
        porque é que se deixou de falar em ensino básico. Deve haver alguma 
        diferença que justifique essa diferença na denominação. 
        
        Por outro, há quem atribua à escola todos os papéis à 
        partida e avalie só uma parte dos papéis à saída. 
        
        De facto, ao ser instituída uma escola democrática e 
        inclusiva para todos, ao defender uma escola que deve aproximar-se e 
        respeitar as diferenças culturais (inclusivamente na diferenciação 
        curricular), estabelece-se um modelo de escola que não pode ser 
        pressionada pelos resultados (maus e bons) de uma minoria que seguiu os 
        seus estudos mergulhada numa massa socialmente heterogénea (mais ou 
        menos afastada dos saberes e cultura de qualquer escola regular) e quer 
        prosseguir estudos superiores. Uma escola como a que esta prescrita na 
        lei é complexa e cada uma das partes ou expectativas (ou a falta delas) 
        que a procuram influencia decisivamente todas as outras para o bem e 
        para o mal (no que quer que isso seja). Não se compreende que os 
        decisores continuem a insistir num modelo de escola, por um lado, e numa 
        avaliação de uma só das partes do seu papel, por outro. Conviria, ao 
        menos, que, sempre que analisam ou deixam analisar os resultados da 
        escola, fizessem um esforço de mergulhar (e fazer mergulhar os 
        analistas) na sua complexidade. 
        
        Ironicamente, os decisores confundem o baixo rendimento 
        da escola com as classificações obtidas no ingresso ao ensino superior 
        ou, pior ainda, por estudos comparativos entre resultados obtidos em 
        diversos sistemas educativos. Não têm qualquer dificuldade em falar dos 
        maus resultados da escola portuguesa, comparando-os com as escolas de 
        Singapura ou da Coreia Pelos métodos de selecção à partida, pelo tipo de 
        ensino, pela cultura, pelos condicionamentos sociais, culturais e 
        políticos e consequentes capacidades de intervenção e comportamento em 
        sociedade, a escola de Singapura (do Japão, da Coreia,... ) não é 
        comparável a qualquer escola da Europa ou do ocidente. Provavelmente, se 
        as amostras de estudantes e das escolas fossem escolhidas de forma 
        conveniente que desvalorizasse 
        / 
        24 / as diferenças antes apontadas, os 
        resultados seriam diferentes. 
        
        Se houvesse alguma coisa de válido nesses juízos, eles 
        teriam como consequência a adopção de diferentes padrões de 
        comportamento social, de formas de governo, e, em última análise, de 
        modelos de sociedade que não nos cansamos de rejeitar 
        
        O fenómeno que não atinge as escolas nessas sociedades é 
        a irresponsabilidade e a possibilidade de recusar o trabalho. Ao 
        contrário, nessas escolas a competição é o motor e os estudantes são 
        treinados na obediência cega (mesmo a métodos autoritários de ensino e 
        clara e unicamente expositivos), no trabalho, quaisquer que sejam as 
        condições que lhes silo oferecidas, no respeito absoluto pelas decisões 
        das escolas, por mais arbitrárias que elas sejam. No nosso sistema, os 
        estudantes e os pais podem solicitar os serviços de educação e ensino, 
        sem que estejam dispostos a qualquer contrapartida ao sistema e sem 
        qualquer respeito pelas suas decisões. Não estamos a falar de um ou dois 
        casos perdidos no emaranhado das escolas Estamos a falar de um grande 
        conjunto de estudantes que não foram ganhos por qualquer escola e que só 
        a frequentam por não terem quaisquer outras alternativas e a quem 
        disseram que este era um mal menor e recomendável. E, apesar disso, 
        nenhuma classificação decidida pela escola está acima de suspeita, nem é 
        inibidora ou promotora de prosseguimento de estudos 
        
        É um problema de sistema que não consegue, na transição 
        eterna, criar outras escolas alternativas ou outras alternativas, nem 
        consegue diferenciar as ofertas. De facto, a cada diferenciação 
        aparente, corresponde logo uma uniformização (veja-se o que se passou e 
        passa com os cursos profissionais, técnicos e tecnológicos, sempre 
        equiparados em grau e destino; com o ensino superior politécnico e o 
        ensino superior universitário) com vista ao mesmo destino: em frente e 
        para o abismo. As alternativas são propostas como modo de actuação 
        dentro de cada escola regular e todos sabemos como isso é ainda 
        impossível (e não será sempre?) Há quem piedosamente pense que bastam 
        algumas mudanças na mentalidade dos professores e na gestão e 
        organização das escolas ou similares para que isso possa ser realizável 
        gestão curricular (e avaliação) diversificada, em acordo com as 
        diferenças sociais, regionais e de capacidades reais ou apetências dos 
        estudantes; ligação à vida activa {a escola já nem é considerada como 
        vida activa);.. Aos diversos papéis sociais da escola (reformatório, 
        instituto de inserção e reinserção social, escola regular) 
        acrescentam-lhe deste modo o papel de santa milagreira, capaz de 
        realizar o milagre que a sociedade no seu conjunto se recusa a querer 
        realizar. 
        
        Tenho 
        para mim que os programas prescritos do ensino secundário são contratos 
        sociais com prazos concretos para a realização de um conjunto de tarefas 
        socialmente úteis - no sentido da formação/criação de recursos humanos 
        capazes – 
        e que deve ser entendido por professores, estudantes e 
        
        pais como tal. Não é razoável continuarmos a medir a 
        exequibilidade dos programas (e a pormos em causa todos os programas) 
        tendo por base Ião só a nossa ideia da capacidade demonstrada no 
        acompanhamento e na aprendizagem por todos os alunos (dos quais, nem 
        metade entendem a responsabilidade e a validade do seu trabalho ou 
        sequer que é trabalho o que devem desenvolver) e nunca a validade e a 
        relevância sociais que o próprio programa/contrato representam. A 
        diversificação deve então ser entendida não como o encaminhamento de 
        todos para o que podem não querer fazer, 
        / 
        25 / mas como um resultado complexo em que 
        estudantes diferentes terão de fazer esforços diferentes para atingir 
        finalidades conhecidas, para realizar tarefas que, sendo iguais, exigem 
        esforços diferentes. A diversificação e a não exclusão tem de passar 
        pela responsabilização de todas as partes, e então pela escolha de 
        caminhos diferentes sinalizados pela escola que todas as partes aceitem, 
        participando e insistindo na escolha Num sistema em que todos os jovens 
        estão juntos na orientação e na deriva há exclusão geral e os resultados 
        da minoria capaz (economicamente, culturalmente, (???) de seguir estudos 
        são prova da exclusão geral, pelo menos, no que respeita à posse dos 
        conhecimentos (competências?, valores?, atitudes? nos exames?) que o 
        sistema político determina como essenciais para o prosseguimento dos 
        estudos. 
        
        É razoável que os professores do ensino secundário digam 
        que ensinam bem. Há sempre um aluno (talvez coreano) que aprendeu bem o 
        que se lhe ensinou independentemente dos métodos que se usaram. Em causa 
        está sempre o que a maioria não aprendeu. Em causa está que, na nossa 
        sociedade, apesar de todos os seus avanços, ainda é verdade que a 
        maioria da população (pais e filhos) está longe da escola e dos saberes 
        normalizadores (bem ou mal) que ela representa. E todos os exames que se 
        façam à escola só mostram essa exclusão social que a escola, por si só, 
        não pode redimir. 
        
        Há várias dimensões convencionadas para o debate do 
        ensino secundário. Por razões de honra, insisto nesta e espero que a 
        insistência tenha consequências. 
        
        (Arsélio Martins) 
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