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        Biblioteca: sedução e fascínio… mas também desencanto 
        
        Maria Alice Pinho e Silva 
        
  Pedem-me 
        que publicamente dê conta do trabalho que tenho andado a realizar na 
        Biblioteca. Recorro ao meu caderno diário e respingo algumas anotações 
        de Setembro/Outubro [de 1996] que esquematizariam um texto intitulado 
        "Primeiras ideias para um projecto" e que veio a integrar a documentação 
        (textual e fotográfica) enviada ao M.E. na sequência de um pedido de 
        informações com vista ao conhecimento das Bibliotecas Escolares. 
        
        A partir 
        dos meus apontamentos reconstituo as actividades do primeiro período e 
        confirmo com aceitação melancólica, mas não excessivamente 
        desconfortável, que penetrar no mundo da nossa biblioteca tem muito que 
        se lhe diga. É preciso antes de mais captar a sedução e o fascínio do 
        "espírito do lugar", como diria Vergílio Ferreira das pessoas que nele 
        trabalham e das Coisas que o habitam. Propunha-me conhecer 
        infra-estruturas e meios; ainda só consegui vasculhar 30% das estantes. 
        Os rodapés dos armários têm sido autênticos quebra-cabeças. Atafulhados, 
        neles parecem ter sido armazenados aleatoriamente ao longo de décadas 
        materiais que se não queriam ou não cabiam noutros espaços: envelopes 
        com sobras de pontos de exames, programas extintos, manuais antigos, 
        papéis avulsos, folhas e cadernos do Propedêutico, trabalhos de alunos, 
        "dossiers" de estágio, relatórios da profissionalização em exercício, 
        P.I.Ts, P.A.Fs, revistas, jornais, publicações periódicas rapidamente 
        perecíveis pelo seu interesse e actualidade, muitas em números soltos ou 
        em exemplares repetidos... Penetrar em alguns destes caos, seleccionar, 
        organizar, avaliar do seu interesse e real valor, constituir arquivo, 
        deitar fora o que é apenas lixo, tem sido um trabalho perfeitamente 
        labiríntico... A pele, o nariz e os olhos já deram algum sinal de 
        alerta. Se o meu caderno regista desalentos, também é verdade que 
        comprova momentos de êxtase e de surpresas. É destas que se têm estado a 
        constituir núcleos nascentes de acervo a tratar, a inventariar, 
        catalogar para posterior divulgação. Há tesouros valiosos na nossa 
        Biblioteca, alguns em confrangedor estado de conservação. 
        
        Para além 
        destas acções de fundo, tenho ocupado algum tempo na aquisição de 
        livros, com base nos pedidos dos grupos; dela se foi dando conhecimento 
        aos delegados respectivos. Em acção conjunta com as funcionárias, 
        rearrumaram-se áreas consideradas mais críticas e a carecerem de mais 
        urgente intervenção. Sempre que os meus parcos conhecimentos técnicos na 
        matéria me permitem, tenho restaurado livros de uso muito corrente, com 
        capas ou lombadas muito deterioradas (antologias, gramáticas, 
        dicionários…). Sempre que tem sido pedido, a Biblioteca tem prestado 
        apoio bibliográfico a actividades realizadas na Escola: Camões, 
        Agostinho da Silva, Revolução Francesa, 
        / 19 / Museu"... 
        
        De resto, 
        estar na Biblioteca implica riscos e seduções a que se não consegue 
        resistir: apesar de se não operar na sala de aula, é-se, mesmo assim, 
        professor. De dia, e algumas vezes à noite, tenho prestado apoio e 
        orientação a estudantes na selecção de livros e de recolha e tratamento 
        de informação. E há anedotas: como resolver o problema de um aluno que 
        procura "um livro com os ossinhos todos da cabeça"? Como satisfazer o 
        pedido de um outro que precisa de «investigar sobre um escritor … 
        Coláudio…. Acho que é Mário…»?!  E o grupo que quer a «História do 
        Cinema ou da Televisão... mas em português». E o que dizer a quem quer à 
        força encontrar um livro com «a adaptação do Auto da Feira à 
        actualidade»? E onde encontrar a História da Evolução da Moda do Chapéu 
        ou do Penteado no séc. X? E fotografias de Paris? E o estruturalismo? E 
        a fisiologia do cérebro do polvo?... 
        
        Gostaria 
        de retomar no segundo período o trabalho de informatização do ficheiro 
        da biblioteca, para o que espero apoio técnico, dentro das sugestões 
        alvitradas pelo CD. Afigura-se-me imprescindível a criação de uma equipa 
        de projecto para superar o volume e a morosidade que tais tarefas 
        impõem. 
        
        O meu 
        caderno lembra-me finalmente que tenho excedido largamente as horas que 
        me foram destinadas para este cargo/tarefa, malgré tout. ■
         
         
        
        Aveiro, 
        12-01-1996 
        
        Maria Alice Pinho e Silva
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