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Chove fogo, verrina, e
sangue
no jardim onde os ventos varrem
uma esquiva primavera baça, fria
secando as suas flores luminosas
recamadas no pousio dos canteiros
submersos no lamaçal improvável
trazendo perplexo, o mundo a terreiro,
inquieto, incrédulo, descontrolado
ante a lucidez intrigante, e sádica
produto de grave patologia mental
a redesenhar com perfídia, a história
na cegueira de a impor em acrimónia
entre êxodos, infortúnios, e Guernicas.
Vemos no confrangedor ulular da morte
vergados sob a pedra da execração
e fistulados de gangrena psíquica
os mesmos de sempre, os proscritos
abandonados, deserdados, esquecidos
clamando aos mil sóis, misericórdia
estendendo os frouxos braços, exangues
numa espera sem eco nem esperança;
e, na vã tentativa de recuperar a sua paz
a escapulir-se entre ondas de ódio,
desarmados mas crentes, não desistem.
Essa paz irá surgir decerto, vitoriosa
nas cores rosadas de um arrebol
talvez loucura, quimera ou alquimia
mas pronta a enfeitar a nova primavera
cujas flores abertas já não irão fenecer
avivadas pela lufada de ar balsâmico
que subirá dos campos reverdecidos
enchendo os nossos corações de júbilo
na concórdia, na liberdade, e no amor.
Março de 2022 |