De fonte próxima

 

Nesta ditadura canina onde vivemos
andam por aí tantas alarvices, tantas mentiras
que, vendo bem, não colhem nem aproveitam;
são atoardas tão injustas como criminosas.

Se não, vejam o que de fonte próxima
até mim chegou sem notas fidedignas:

– Antropólogo da Chamusca a estudar
o Homem das Casernas, de há muito esquecido;

– Ministro dos Carris fazendo crer que as águias
são capazes de voar sem asas;

– Alquimista de Cascais, sereno e discreto,
coração de leopardo e pele de arminho,
a macerar em água salgada e ácido acético
folhas de cardo e de malva para delas retirar
quando for oportuno, notas de euro ou dólar;

– Militar desta Pátria querida, lutador inato
arremetendo com grande fúria e desamor
contra pedrarias que entopem negros caminhos;

– Banqueiro sentenciado com pena de prisão
pira-se e refugia-se em catacumba fiscal
deixando dois cães entregues à sua sorte;

– Político de país cercado de dívida soberana
apostando em defender a débil economia
com uma devastadora arma anti-tanque,
enquanto a vai atacando com os mísseis
da crescente e volumosa despesa pública;

– Zoólogo de Santarém a comprovar a hibernação
de toupeiras, ratos, raposas e até tubarões.

Para investigar as investigações em curso
(passe a redundância neste contexto)
sai de rompante a Brigada do Caracol
apostada em descobrir solilóquios de “amertà”,
mas acaba perdida na húmida escuridão
do enredado e traiçoeiro labirinto do Fado.

E do seu vistoso galarim, o arauto Possidónio
ubíquo e risota, no mais heterodoxo cinismo
vai anunciando com incontornável verborreia
(eivada da mais despudorada incongruência)
a grandeza desta tão ditosa e querida Pátria.

Dezembro de 2021

 

 

16-12-2021