Ares do verde pino

 

Na esperança de oportuno momento
para acarear instantes vividos
que jazem submersos no granel
da arrecadação da memória,
sobracei o pergaminho da nostalgia
e, lépido fui vagueando, só
sob a densa ramagem a coroar
dum verde escuro os pinheirais,
mancha de pintor de paisagens
em lindo fundo de céu azul
numa manhã de ternura, revisitada
pela cândida brisa atlântica
impregnada de odores salinos
para casarem com essências resinosas.


Unir pontos de juventude e velhice
é como a vaga mais forte
batendo na falésia mais abrupta;
é a dor surda após a surpresa
de um sonho lindo para ser vivido
transformado em doloroso gólgata.
Nestas elucubrações envolvido
a bailarem entre exaltação e humildade
oiço uivo agudo de comboio a fugir
ganindo pelos valados em silvo frouxo
a misturar-se com as vibrações dum sino
badalando em cadência desigual, sincopada,
num soluçar indiferente pela morte de alguém;
vou despertando deste sonambulismo
num espaço e num tempo desconhecidos
onde ruídos e cheiros se vão diluindo
entrando no jogo da serenidade local
agora plena de reminiscências primaveris
e no esquecimento desta que apareceu
carregada de incerteza e de medos,
bem diferente da primavera de outrora,
aquela que busco e teima em me fugir:
a das cantigas desencontradas ecoando
e que, subindo dos campos em cultivo
cresciam de repente em diapasão de cólera
ou fundiam-se em néscias ternuras.
Tempos em que a fadiga do trabalho
era força anímica e o alento da vida,
quando na pureza das consciências
residia a honra da palavra dada.
Tudo isso se foi em nome da diferença,
e não proclamo o regresso integral
a tempos de inquietação e infortúnio
mas apenas a reposição do efémero
para contraste e, sobretudo, meditação.


Quero, nesta teimosia insana
surpreender todas as rosas,
abraçar em fúria pacífica os amores perfeitos,
deleitar-me com as balsâmicas fragrâncias
das violetas, dos jasmins, dos gerânios
e desafiar para a liça o furtivo Cupido
numa salgalhada de sol e magia.


Estou afinal na tal primavera
perdida na dormência do esquecimento.
Consegui recuperá-la em haustos do verde pino
e trazê-la à colação deste imbróglio;
sou parte dela, ela ficará em mim
ou serei eu mesmo essa dita primavera?


Que me dizes tu, quarentena?

Abril 2020

 

 

07-04-2020