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Na Terceira, a população dedica-se especialmente à agricultura e, dentro desta, devemos destacar a criação de gado leiteiro e a cultura de milho.

A população é, de uma maneira geral, indolente, talvez como consequência do clima, um pouco deprimente, excessivamente húmido e relativamente quente da Ilha.

Sob o ponto de vista paisagístico, se se não podem descrever os encantos de uma sub-tropicalidade natural como a de São Miguel ou uma beleza cultivada como a da Madeira, também se lhe não pode atribuir uma aridez, nem tão pouco uma insipidez e desinteresse total.

Não. Embora sem belezas excepcionais, é uma Ilha agradável de se ver, com um aspecto prazenteiro e simpático que, principalmente do ar, se nos apresenta acolhedora com os seus campos verdes, misturados com muros de hidrângeas de um colorido azulado, que lhe é dado pela constituição do seu solo de origem vulcânica.

Digno de visita, sob este aspecto, posso indicar o «Monte Brasil», junto de Angra do Heroísmo e a «Serreta», perto da povoação de Biscoitos.

Em pinceladas breves e rápidas, é esta a impressão paisagística da Terceira que retenho.

Sob o ponto de vista etnográfico, a propósito de clima foquei a indolência dos seus habitantes, mas há mais que dizer, sobretudo costumes curiosos que ainda se verificavam quando ali estive em 1949.

Independentemente da indolência que era patenteada pelo facto de, fosse a que hora fosse, se encontrarem os terceirenses, das classes humildes, bem entendido, à porta das suas habitações, muito recostados, fumando o seu cigarro, há um pormenor digno de nota.

Naquele tempo, ainda se via com muita frequência o homem do povo da Terceira, muito bem vestido, engravatado, mas... descalço. Daí o facto de, pelos continentais, serem chamados de «Descalcinhos», enquanto que pelos restantes ilhéus são chamados de «Rabo Torto».

A alimentação era também muito frugal, / 10 / apenas leite e a maior parte das vezes milho, cozido ou assado, sem dúvida para evitar um maior trabalho.

Os Terceirenses têm o culto pela festa e, de Maio a Outubro, em todas as povoações há uma festa semelhante e que pelo seu tipicismo, é curioso conhecer.

A festa compõe-se de duas partes principais, ou melhor, que eu considero principais, por serem as que mais me feriram a atenção: a parte beneficente, de carácter mais ou menos religioso e a parte de diversão.

A parte beneficente é a razão de ser da festa e é levada a efeito nos chamados «Impérios», sendo os organizadores, que correspondem aos mordomos continentais, os «imperadores».

Vejamos o que são impérios e em que consiste a primeira parte da festa.

Império é uma edificação pequena, com um aspecto de oratório, onde são colocadas as oferendas destinadas aos pobres. Estas oferendas são normalmente constituídas por bolos e leite e ao conjunto dá-se o nome de «Bodo de Leite".

Este «bodo» é distribuído no sábado e constitui a parte beneficente da festa.

Ao domingo, há a tourada à corda. Espectáculo divertidíssimo em que o touro, preso por uma corda e seguro por vários homens, vai procurando marrar os que o desafiam.

/ 11 / Como são os homens da corda quem regula o touro, por vezes dão-se espectáculos verdadeiramente hilariantes.

Como estas touradas são realizadas nas canadas – ruas delimitadas por muros de pedra solta – dá-se muitas vezes o caso de o touro investir com o muro, deitá-lo abaixo e procurar agredir os espectadores. O pânico resultante, que aliás, nunca tem grande perigo, por o animal ter o seu raio de acção limitado, dá origem a um espectáculo divertido e único.

Para estas touradas, as populações deslocam-se de distâncias consideráveis e não há serviço que os faça perder este espectáculo.

As que acabais de ler são as impressões que me ficaram da Ilha Terceira, impressões gerais, para quem passa por ela sem a estudar com profundeza.

É contudo, uma Ilha alegre, de gente simples, afável no trato e muito agradável, que nos deixa sempre recordação e saudade.

 

Ilha Terceira - estrada das hortências

 

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