O
teatro lido são almas no limbo; o céu ou o inferno só o palco lhos
dá.
Jaime Gralheiro, “J. N.”, 21/Dez.67
Revisto
o caminho traçado, pode agora confirmar-se como o sentido de uma
particular peça não reside apenas na
interpretação temática ou estética que dela apresentámos. Se
inscrevemos um certo número de obras num mesmo agrupamento, é
porque, no seu conjunto, reforçam as linhas mestras do teatro de
Jaime Gralheiro na fase que nos propusemos estudar. No seu sistema
plural, uns textos impuseram-se-nos intertextualmente como ponto de
partida para outros textos e na sua polivalência levaram-nos a
relacioná-los também com os contextos de onde partiram e para que
apontam. Por isso fomos remetidos para estudos de Estética Teatral,
de Literatura e de Crítica Literária, de História...
Após
uma leitura globalizante da obra do autor, detectámos em abordagem
mais particular comuns ressonâncias e propósitos na sua fase
realista que patenteia grande coesão orgânica, processual e ideológica
naquele que é, afinal, o ciclo mais longo da sua produção teatral e
que acentua indelevelmente o labor de um dramaturgo assumidamente
interventivo no seu mundo e na sua época; sem dúvida um dramaturgo
combativo e resistente.
Até
pelas sínteses que fomos tentando ordenar ao longo do nosso trabalho,
cremos ter comprovado que a fase realista do teatro de Jaime Gralheiro
constitui um legado polifónico de influências várias, com especial
incidência em marcas da tradição neo-realista e, mais
particularmente, da estética brechtiana. Foi esta a razão primeira,
mas não única, da nossa dissertação.
Muitas
pistas curiosas de trabalho se nos foram, entretanto insinuando; não
seria descabido cruzar peças de autores contemporâneos de quem Jaime
Gralheiro se diz próximo (Bernardo Santareno, Luiz Francisco Rebello,
Miguel Franco, Sttau Monteiro) e assinalar possíveis relações homológicas.
Interessante
seria reflectir, por exemplo, sobre o lugar do texto dramático no
quadro mais vasto da representação teatral e pesquisar os sinais
concretos da sua recepção como espectáculo junto das plateias.
O
autor sonha uma peça, escreve uma outra, os actores representam uma
terceira e o público vê e ouve uma quarta
é uma célebre “boutade” que, aliás, em tempos ouvimos a Jaime
Gralheiro. De relance, fomo-nos apercebendo como, mesmo na urgência
da escrita, o dramaturgo foi deixando em muitas peças abertura à
capacidade (re)inventiva do encenador, ele próprio construtor de um
outro texto a haver, de qualquer modo transfigurador do
texto-proposta-suporte inicialmente escrito. Atitude de maleabilidade
e disponibilidade a que não serão alheias as suas duas indissociáveis
e experientes actividades: a de autor e a de encenador . Daí a epígrafe
que escolhemos para esta Conclusão.
Em
tão grande número de títulos hão-de evidenciar-se naturalmente
defeitos e qualidades.
Assim sendo, outras características gerais poderíamos
aduzir, ainda que de relance: quase sempre estamos perante peças
marcadas por um forte dinamismo e grande vivacidade; mesmo que se
leiam abstraindo da arquitectura cénica que lhes estará subjacente,
impelem-nos frequentemente para o movimento que as levou/levará ao
palco. Se à primeira impressão alguns dos textos dão ideia de um
certo desalinhamento, repescam-se neles indeléveis sugestões de
leitura e interpretação, quer ao nível da sua faceta crítica e
pedagógica, quer ao nível do seu pendor cómico e divertido,
julgamos tê-lo demonstrado.
Gralheiro
é conhecido no meio teatral por alguns excessos e pela truculência
que lhe é peculiar: de um modo geral, as suas peças pressupõem
grande número de personagens em palco, muitas movimentações,
grandes montagens, complicadas maquinarias... Tal empolgamento
patenteia-se também, por vezes, na rudeza e no pitoresco dos diálogos,
excessivos nalgumas situações, mas que nos marcam pela sua
expressividade linguística, apesar de tudo. Textos há que poderão
indiciar, inclusivamente, algum “barroquismo” estruturante (a
expressão é dele próprio), algumas fracturas de construção técnica,
alguma pompa de estilo, alguns sintomas de superficialidade no
tratamento da mensagem que se propõem transmitir.
No
seu conjunto, a obra deste particular dramaturgo merece um legítimo
lugar na História do Teatro Português; essa obra vale pela
singularidade da persistência do seu autor, pelos temas fulcrais que
elegeu (acentuadamente nacionais mas com foros de universalidade), e
pela indiscutível acção interventiva e didáctica que deles emana.
A
fechar, somos impelidos a fazê-lo circularmente, como nalgumas peças
que atrás abordámos, lembrando as múltiplas limitações que nos
condicionaram e que deixámos expostas na Introdução.
É,
pois, um estudo necessariamente circunscrito, este que aqui
apresentamos.
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