Abatem
as muralhas pedra a pedra,
ruem a pouco os bastiões robustos.
Nas brechas a figueira brava medra,
de envolta com maléficos arbustos.
António Sardinha
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Vista
geral da muralha no séc. XVIII. Painel de azulejos
existente na estação de caminhos de ferro de Aveiro. |
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Decorria
o ano de 1418. A fisionomia de Aveiro começava a mudar. O Infante
D. Pedro, Duque de Coimbra e donatário de Aveiro, manda cercar a
vila de muralhas. Quando, em 1422, as obras terminaram, Aveiro,
orgulhosamente, ostentava as suas muralhas, idênticas às da
Cidade de Jerusalém, como o fazia notar uma inscrição colocada
junto da Porta do Côjo (1).
Eram
dotadas de nove portas: a Porta da Vila (ou da Cidade, a partir de
1759), do Sol, do Campo, do Côjo, da Ribeira, do Cais (ou do
Norte), do Alboi, de Rabães e a de Vagos, bem como de alguns
postigos e torreões.
O
decorrer dos tempos fez sentir os seus efeitos, pelo que tiveram
de ser restauradas no reinado de D. Manuel I. Com a entrada do
Prior do Crato sofreram bastantes danos, tendo sido novamente
restauradas no reinado de D. João V. No ano de 1806, começaram a
ser demolidas, a fim de a sua pedra ser utilizada nas obras da
barra. Mais tarde, esta foi também aproveitada na construção do
edifício do Liceu.
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Vestígios
da muralha criminosamente destruídos. |
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Em
1852, o Presidente da Câmara, Dr. Bento José Rodrigues Xavier de
Magalhães, em discurso que havia preparado para receber a Rainha
D. Maria II, referia-se ao que ainda restava das muralhas,
dizendo: «Guardamo-las com desvelo, porque vão levando às gerações
a memória gloriosa do homem grande, que as ergueu aí!» (2).
Bela frase de um Aveirense, que compreendia bem o significado histórico
que elas representavam e a herança cultural que transmitiam.
Pena
foi que, recentemente, e apesar dos esforços desenvolvidos pela
ADERAV, os responsáveis pela Câmara Municipal não tenham
obstado à destruição dos últimos vestígios visíveis da
muralha (3). Correspondiam estes restos à Porta de Rabães e ao
torreão que lhe ficava contíguo. Torreão esse que, por ser o
mais imponente, era vulgarmente apelidado de «Castelo».
Escondidos
dos olhos do público menos atento num quintal do ângulo da
Travessa das Beatas com a Rua Homem Cristo Filho, podiam
facilmente tornar-se, mediante um arranjo singelo, num memorial ao
homem a quem Aveiro tanto deve e que, vítima da intriga política,
tombou honrosamente nos campos de Alfarrobeira.
Não
o quis o destino — ou os responsáveis autárquicos; e, em
Novembro de 1983, as máquinas destruíram estes restos que, até
então, tinham obstinadamente permanecido no seu lugar em frontal
desafio à estupidez humana. Tombaram ingloriamente, como tombou
outrora a Igreja Matriz de S. Miguel, que o Infante D. Pedro
mandara restaurar, e a casa da Rua Direita, onde, segundo a tradição,
o Infante teria vivido.
Lá
do Além, o Infante D. Pedro (se não voltou já as costas, cheio
de amargura, a esta terra ingrata), deve rezar para que não
destruam também o Convento de S. Domingos, de que foi fundador...
ARTUR
JORGE ALMEIDA
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NOTAS:
(1)
- RANGEL DE QUADROS, «Aveiro (Apontamentos Históricos», vol. II,
p. 13 (fotocópia de recortes existentes na Biblioteca Municipal
de Aveiro).
(2)
- Idem, ibidem, p. 37.
(3)
- Vd. Boletim da ADERAV n.º 7, p. 30.
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