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HOMEM CRISTO
UM AVEIRENSE A RECORDAR
O Dr. Francisco Manuel Homem
Cristo nasceu em Aveiro, em 8 de Março de 1860, e aqui faleceu em
25 de Fevereiro de 1943. No cinquentenário da sua morte e em
simples relance, evoco-o rapidamente sob quatro facetas.
1 - ESCRITOR E JORNALISTA
Em 29 de Janeiro de 1882 saiu o primeiro número do semanário “O
Povo de Aveiro”, que logo se manifestou de linguagem contundente,
violenta, crítica, vigorosa e sarcástica. Jornal de grande tiragem,
chegou a ser procurado em todo o país, com especial incidência em
Lisboa. Homem Cristo foi seu fundador, proprietário, director e
quase redactor. Publicou-se regularmente até Abril de 1941.
A propósito das suas qualidades de publicista — também é autor
de diversos livros — o sociólogo Léon Poinsard já em 1910, num
artigo da revista “Les Documents du Progrès”, afirmava: «Existem
na Europa três grandes panfletários: Clemenceau, na França;
Maximiliano Harden, na Alemanha; Homem Cristo, em Portugal.» E João
Sarabando, em “O Comércio do Porto” de 7 de Junho de 1969,
faria dele a seguinte apreciação: «Gigante do panfletarismo,
Homem Cristo, que sucedeu em Aveiro a José Estêvão, génio da
oratória (...); ambos lutaram até ao sacrifício pelos mesmos
ideais, ambos adoraram a sua terra, ambos se devotaram, num puro e
intérmino amor, ao seu país.»
2 - INSTRUÇÃO POPULAR
Homem Cristo, exercendo as funções de capitão no Regimento de
Infantaria n.º 14, em Viseu, verificou que, numa
Companhia, apenas três soldados sabiam ler e escrever. Em face
disto, resolveu ser professor do ensino primário, dentro do
quartel, nas horas vagas da instrução militar. Porque o ensino
elementar era tido como problema absolutamente secundário, a
iniciativa foi vista com indiferença, senão mesmo com manifesta má
vontade. Mas Homem Cristo acabaria por ser louvado...
Na batalha da instrução popular, teve de se enfrentar com
diversos, mesmo Aquilino Ribeiro, Alfredo Pimenta... Querubim Guimarães.
Homem Cristo, no seu jornal, logo rebatia as opiniões contrárias,
servindo-se das palavras e do estilo que lhe eram próprios. Foi um
dos pioneiros acérrimos do ensino alargado a todos; o futuro
dar-lhe-ia razão, mas... muito depois da sua morte.
3 - PORTO DE AVEIRO
Homem Cristo foi director da Junta Autónoma da Ria e Barra de
Aveiro, desde Fevereiro de 1925 até 10 de Dezembro de 1930. Durante
esse período, lutou activa e persistentemente pelo melhoramento da
nossa barra; em ordem a esta finalidade, pretendia-se a construção
de paredes que evitassem o assoreamento do porto. Assim, mercê de
grande teimosia, Homem Cristo viu aprovado o projecto das obras pelo
Governo Central, em 6 de Outubro de 1930, com base no estudo
preliminar apresentado, em 1927, pelo Engenheiro von Hafe.
A empreitada da execução do plano do porto exterior (paredes até
à «meia laranja») foi adjudicada em 5 de Abril de 1931; a
inauguração oficial do importante melhoramento seria em 16 de
Outubro de 1932, com a presença do Presidente da República. A
campanha de Homem Cristo culminava assim num rotundo êxito. Aveiro
moderno nasceu da melhoria da sua barra, motivada pelas obras de
1930 (antes e depois), realizadas com o impulso indomável deste
grande aveirense.
4 - DIOCESE DE AVEIRO
Por 1930, iniciou-se em Aveiro uma outra campanha, que culminaria
na restauração da Diocese de Aveiro, em 1938. Homem Cristo, apesar
de se dizer agnóstico e livre-pensador, pôs-se ao lado dos católicos,
que suspiravam por ter um bispo em Aveiro; o seu primeiro artigo, em
«O Povo de Aveiro», data de 9 de Outubro de 1932.
Sentindo-se profundamente identificado com as aspirações que
engrandecessem a nossa terra, nunca lhe poderia ser alheio tal
desejo. Pelo contrário. Com a restauração da Diocese, Aveiro
lucraria mais um pouco na sua importância e autonomia. Criar-se-ia
mais um seminário, que seria uma escola de formação e de ensino;
os católicos aveirenses continuariam sujeitos ao bispo de Coimbra;
o nome de Aveiro repetir-se-ia em dezenas e dezenas de igrejas, na
região da nova Diocese.
Homem Cristo teimava com os seus correligionários, refutava quem o
contradissesse, explicava-se perante todos, extravasava sobretudo o
seu arreigado aveirismo: uma migalha que se acrescente a Aveiro,
mesmo que fosse minúscula (que era o caso), é sempre bem-vinda.
Por isso — e não só! — num misto de homenagem e gratidão,
aqui recordo Homem Cristo, que algumas vezes encontrei nas ruas da
nossa cidade e nas festas do Seminário.
JOÃO GONÇALVES GASPAR.
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