Convite inesperado |
Eram nove e meia da manhã, uma manhã radiosa de domingo, com o sol alto e já algum calor, quando avistámos Quimbele. Ao longe, vista da estrada, a povoação parece um enorme coração humano no alto de uma colina, rodeado pela cintura da estrada alcatroada, que mal se vê. Em baixo, a longa recta de asfalto escuro é como uma longa perna escura, que se estenda, vestida, de cada lado, pelas casas dos comerciantes, com moradia e a loja na parte da frente. Percorremos rapidamente a recta entre o hospital e a vila. Começámos a subir a rua principal. Fizemos a curva à direita. Passámos em frente ao Briosa Bar. E entrámos na avenida principal, ao cimo da curva, tendo, à direita, as lojas dos comerciantes e a casa do Administrador; à esquerda, a igreja, seguida pelo depósito, escola e messe de oficiais; e, na extremidade, ao fundo, o edifício da Administração com os Correios. Segundos depois, descia em frente à messe e despedia-me do pessoal. Entrei no edifício, silencioso àquela hora de uma manhã de domingo. Quase a chegar ao quarto, dei de caras com o médico. — Ainda bem que chegaste, Ulisses. Começava a ficar preocupado. — Então porquê, Graça Marques? Aconteceu alguma coisa? — Nada de especial, Ulisses. Estava com receio que me faltasses... — Que te faltasse? Mas porquê? — Recebemos um convite. — Um convite? — Sim, estamos convidados para ir almoçar, tu e eu, à Missão de Quimbele. — A que propósito, Graça Marques? — És tu o comandante da Companhia, neste momento. — Ah! Por isso! E quando é que recebemos o convite? — Ontem mesmo. Dou também assistência médica ao pessoal da missão, quando é preciso. Ontem, estive lá. Falei de ti aos padres. Querem conhecer-te. E convidaram-nos para lá irmos hoje almoçar com eles. Disse-lhes que sim. Quando aqui cheguei, soube que tinhas ido levar o tenente Oliveira a Sanza Pombo. Depois, recebemos a mensagem a informar que o comandante te tinha lá retido. Fiquei com receio que não aparecesses a tempo. — Muito me contas, Graça Marques. A que horas temos que lá estar? — Entre o meio-dia e a uma. — Calha bem! Temos ainda muito tempo. Tenho muito tempo para me arranjar, fazer a barba, tomar outro duche, mudar de roupa e descansar um pouco. Calha até bem! Andava com vontade de visitar a missão. Estive lá perto, quando fui à caça com o nosso capitão Glória Dias. Fiquei com vontade de lá voltar. Pena é que não tenha ainda a máquina fotográfica. E que mais novidades há? Mais alguma coisa fora da rotina? — Nem por isso, Ulisses. Tudo calmo. É fim de semana. Ontem, tivemos um serão agradável. — Alguma patuscada com o segundo-comandante e o capitão Glória Dias? — Não! Tivemos um bom filme. E fizeste cá falta, na hora da bica. Éramos só três! Fizeste falta para jogares comigo contra Sanza Pombo. — Ao menos, valha-nos isso! Ainda fiz falta para alguma coisa: para jogar aos dados! — O que é que o comandante queria de ti, para não te deixar regressar a Quimbele? — Fez-me lá passar o resto do dia e o serão. Disse-me que não eram horas de regressar em segurança, que havia muitos oficiais aqui e que eu não fazia cá falta nenhuma. — Disse-te isso tudo? — E muito mais. Perguntou-me se eu sabia jogar o bridge. — E tu? — Que não! E, por isso, lamentou a perda de mais um parceiro. Pelos vistos, os serões, em Sanza Pombo, são ocupados com jogos sérios e difíceis. Bom, encontramo-nos na esplanada do Briosa Bar, se quiseres continuar a conversa. Esperemos que o nosso major e o capitão não fiquem aborrecidos por almoçarem sozinhos. — De modo nenhum. Já sabem que vamos almoçar à missão. — Então, até já, Graça Marques. Vou-me arranjar e passar a civil.
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