Conversa com o braço direito

Não vou agora dizer-vos que estive com o meu braço direito, o furriel Rodrigues. Esteve comigo a assistir ao treino da nossa equipa.

— E sabe que mais, alferes? O alferes tem toda a razão!

— Tenho a razão em quê, Rodrigues?

— Tem razão em andar desconfiado.

— Eu ando desconfiado?

— Sim, alferes. Não se lembra do que me pediu?

— Pedi-lhe o quê?

— Não me pediu para saber junto dos soldados se havia problemas com a cantina?

— Ah! Isso?! Estava noutra onda. Pensei que estava a falar da malta, dos treinos da nossa equipa. Então o que conseguiu saber?

— Parece que há uma negociata qualquer com os civis, alferes.

— Com todos?

— Não, alferes, só com alguns. Com aqueles de quem o capitão é muito amigo.

— Então como?

— Os produtos chegam à cantina e são desviados para as lojas de alguns civis. Há soldados que se queixam que vão à cantina e que não conseguem adquirir certos produtos, produtos que viram inclusive descarregar, mas que os vão encontrar depois à venda nas lojas e no bar de um civil de Quimbele. E muito mais caro. E com os carimbos de uso exclusivamente militar.

— Já andava desconfiado disso, Rodrigues. Não é por acaso que encontro oposição quando pretendo verificar as contas da cantina e a minha presença não é nada bem vista. Deve ser arranjinho entre o capitão e o furriel vagomestre. Ainda não sei bem como fazer. Possivelmente, vou ter de pedir o apoio do sargento-ajudante. Estou todas as manhãs com ele, na secretaria, e parece-me pessoa de confiança. E vou ter de descobrir a melhor maneira de dar início a uma averiguação junto dos soldados, para recolha de elementos para minha segurança, antes que haja alguma bronca e me lixe.

— Acho que faz bem, alferes. E pode contar comigo.

— A propósito, Rodrigues, que é feito do Joaquim? Há uns dias que não tenho o prazer de o ver por aqui. Não o tenho visto treinar.

— Não me diga que o alferes ainda não deu por ela?!

— Ainda não dei com quê, Rodrigues?

— Não sabe o que o Joaquim fez?

— Mas fez o quê? Tenho andado ocupado com os oficiais da CCS, que se encontram entre nós. O que é que o Joaquim fez? Pregou-nos alguma partida?

— Pode-se dizer que sim, alferes. Mas nada de especial. Não comece a pensar mal dele. Não tem razão para isso.

— Está a deixar-me intrigado. Afinal, o que é que houve com o Joaquim?

— O alferes nunca reparou como ele é bom com a bola? Tem queda para o futebol. E por isso, deixou-nos.

— Deixou-nos por ser bom para o futebol? Mas como?

— Foi convidado por civis para integrar uma equipa de futebol. Não deste. Futebol a sério. Convenceram-no. E deixou-nos.

— E foi para onde, Rodrigues?

— Ou para Sanza Pombo, ou para Carmona. Só sabemos que pegou na trouxa e largou-nos. Traiu a nossa confiança, a confiança que o alferes tinha nele.

— Não traiu nada, Rodrigues. Ele é inteligente e com muitas capacidades. Tratou de seguir o curso dele. A única coisa que me está atravessada, Rodrigues, é ele ter desandado sem se despedir de nós.

— Teve certamente receio que o alferes o não deixasse, que o procurasse impedir...

— Talvez! Mas eu seria o primeiro a aconselhá-lo, no interesse dele. Nunca o iria reter. Só tenho pena, porque perdemos um bom amigo. Era bom moço...

— E já não é?

— Claro que é. Continua a ser. Não é por isso que deixa de ser o mesmo. Bem melhor do que muitos dos que vieram connosco da metrópole! Inteligente, educado e com uma grande vontade de aprender. Paciência!

 

Página anterior Home Página seguinte