Na loja com o comerciante |
Nesse sábado de manhã aproveitei para ir saber da minha máquina fotográfica. — Então o que é feito do alferes? — perguntou o comerciante, muito surpreendido por me ver entrar. — O alferes desapareceu de Quimbele? Nunca mais o voltei a encontrar... — O que quer que lhe faça? Este mundo anda sempre torto! — Não me tinha dito que era a sua vez de ficar em Quimbele? — Era e continua a ser. Mas o que é que quer que lhe faça? Como é que o mundo há de andar direito? Eu, que deveria estar aqui, regressei ao Alto Zaza. E o alferes que para lá deveria ter ido, ficou aqui. Como é que o mundo há de andar direito? — De facto, assim é! Para ele andar direito era preciso haver pessoas direitas. E elas são mais as tortas que as direitas. Sempre assim foi e há de continuar a ser. E olhe que já perguntei algumas vezes por si. Tenho cá a minha filha de férias. O alferes ainda não a conhece? Ainda não conhece a minha filha, pois não? Não quer cá almoçar connosco? — Eu lá querer até queria! Teria todo o gosto em aceitar o seu convite, mas... — Há algum problema? — Há! Tenho que almoçar na messe. Tenho ainda de efectuar o reabastecimento e saber quais as ordens do capitão. E arranco logo a seguir ao almoço para o Alto Zaza. Possivelmente quem cá vai ficar é o outro alferes, o que me substituiu no Alto Zaza. Segundo parece, já cá não vem abaixo desde que eu fui para a Quimabaca, há coisa de uns dois meses. Segundo depreendi das conversas com ele, nunca mais de lá saiu. Era o braço direito do capitão! É justo que tenha cá um fim de semana, para não se esquecer da civilização. Também tem direito a ir logo ao cinema. — Mas olhe que é pena, alferes. Tinha todo o gosto em que o alferes conhecesse a minha filha. Estava até a contar consigo para puxar um pouco por ela. — Mas porquê? Não teve boas notas? — Ter, teve! Mas sempre poderia melhorar, se o alferes aproveitasse o período de férias da Páscoa e puxasse por ela. — Infelizmente, não é o que queremos! Manda quem pode! E nós temos que obedecer. O capitão achou que deveria ser eu a permanecer no Alto Zaza e... As ordens têm de se cumprir! E a minha máquina fotográfica? Será que já veio? — Ainda não! — Não me tinha dito que, quando fosse a Luanda, exigiria uma nova, caso a máquina ainda não estivesse reparada? — Disse, alferes. E costumo cumprir o que digo, alferes. Mas ainda não tive oportunidade de ir a Luanda. — Isto é um problema! Quando as coisas dão para avariar, é uma carga de trabalhos e de dificuldades. No acto da compra, é tudo facilidades! Nunca há problemas! O problema é quando o material avaria. As facilidades vão-se todas pelo cano abaixo! E não se pode confiar no material. Olhe, estou agora mesmo a lembrar-me do que aconteceu ao capitão. — Então o quê, alferes? — Veja lá que o capitão mandou vir uma máquina melhor que a minha da metrópole. Mandou vir uma Yashica, de tipo reflex, com uma objectiva 1.4 e diafragma de cortina, uma máquina igual a uma que lhe mostrei, que vinha numa revista francesa, idêntica a uma com que ando a sonhar. — Anda a sonhar com outra máquina? — Ando! Com uma Asahi Pentax, que vem publicitada numa revista científica francesa que os meus pais me mandaram. Mostrei-a ao capitão e ele, para não ficar atrás de mim, mandou vir uma do mesmo tipo. Mas ainda não lhe disse o que aconteceu ao capitão. — E foi o quê? — Acabou de receber a máquina. Veio logo mostrar-ma. Eu próprio o ajudei a ler o livro de instruções e lhe expliquei algumas das funções. Carregámo-la com um rolo a cores e decidimos experimentá-la. Veja lá que nem uma só foto conseguiu tirar! A máquina encravou. Foi também o mecanismo de obturação. Isto deve ser problema do clima! As máquinas embirram com esta zona e têm todas a mesma avaria. — Isso é mesmo verdade? Uma máquina nova, a estrear? — Claro que é verdade. É como lhe digo. Mas não é do clima. Estou a brincar. Avariou porque tinha de avariar. Desmontei-a eu próprio, porque a objectiva é amovível. Até a parte relativa ao prisma óptico é amovível. É toda desmontável. O obturador é de cortina, um sistema totalmente diferente da minha. Ficou de tal modo bloqueado, que a máquina foi imediatamente recambiada para a metrópole. E com esta me vou, que está quase na hora do almoço. Até à próxima. |