Instalação na Quimabaca |
Minutos depois, tinha na minha frente um simpático velhote, de carapinha já esbranquiçada pelas neves do tempo. Cumprimentei-o, primeiro, à maneira militar; em seguida, com um grande aperto de mãos. E, com a ajuda do Joaquim, expliquei-lhe o que a tropa vinha fazer, ao mesmo tempo que lhe pedia que me ajudasse, indicando-me qual o melhor lugar para montar o acampamento militar. Tal como eu calculara, o velhote indicou-me também este amplo largo plano, no centro da sanzala, onde agora me encontro a escrever-vos. Marquei com os furriéis os sítios, para uma distribuição lógica das tendas, e mandei descarregar as viaturas. O soba fez-me companhia e fez sinal aos miúdos para nos ajudarem. Em breve, estava todo o serviço feito. Separei-me por momentos do meu anfitrião e conversei com o alferes: — Vocês continuam? Não preferem montar aqui as vossas tendas? Ficavam mais bem instalados aqui, na nossa companhia. — Nós vamos permanecer muito pouco tempo. Apenas o necessário para as terraplanagens e melhoria da picada. — Mesmo assim! Não seria melhor montarem o local de dormida aqui? Deixam as máquinas no local. De certeza, ninguém vai meter uma “caterpilar” no bolso. Comem as rações de combate ao meio-dia e jantam e dormem aqui connosco. A Quimabaca pode ser a vossa base de permanência. — Está a pensar bem. Acho a sua ideia excelente. Mesmo por pouco tempo, vai ser mais agradável ficarmos juntos e podermos conversar. — Está a ver a rapidez com que a descarga se fez? São agora onze da manhã. Daqui por uma ou duas horas, temos todas as tendas montadas. O nosso pessoal trabalha com mais prazer e rapidez, com a ajuda das crianças. — Isso não será exploração do trabalho dos miúdos? — Exploração? Um trabalho que se faz com prazer? Os miúdos vão ser os nossos melhores companheiros. E vão lucrar muito com a nossa amizade. E o camarada também. Enquanto aqui estiver, fica na mesma tenda que eu, com os nossos furriéis. O seu pessoal fará os turnos de sentinela com o meu pessoal. Repartimos as tarefas e todos lucramos. Além disso, enquanto cá estiverem, têm a comida quente assegurada. É muito melhor que ficar limitado às rações de combate! Eram treze horas quando as tendas ficaram completamente montadas e as zonas estabelecidas. — Como é para o almoço, alferes? — perguntou o furriel vagomestre. — A cozinha e o refeitório já estão montados? — Ainda não, alferes. Já está tudo nos locais em que vai ficar, mas há ainda trabalho para fazer. — Então o almoço são as rações de combate. Mesmo que já tivéssemos cozinha, não íamos a tempo. Para o cozinheiro poder cozinhar, precisa de água e lenha. Distribua uma ração de combate a cada homem. Depois do almoço é preciso nomear uma secção para ir encher os bidões de água e arranjar lenha. — Onde, alferes? — À linha de água mais próxima e à mata. — E onde, alferes? — Não se preocupe. Com a ajuda dos miúdos, o problema resolve-se facilmente. — Mas uma ração de combate a cada homem é demais, alferes. — Como é que quer fazer? Partir as caixas ao meio? — Vai sobrar muito. Vai-se estragar comida. — Nada se estraga, Ramalho. Não conseguimos comer uma caixa de ração completa, mas temos aqui à nossa volta toda a miudagem, que vai gostar de nos fazer companhia. Vão ajudar-nos. Vão fazer com que não haja desperdícios. — E como é para as refeições? — Enquanto cá estiver o pessoal de engenharia, temos de contar com eles. Pelos menos, teremos de contar com eles para o jantar. Ah, é verdade, quero as doses reforçadas. E isto é para todas as refeições, incluindo o pequeno-almoço. De manhã, quero um tacho dos maiores com leite em abundância para toda a gente, contando com os miúdos da sanzala. — Doses reforçadas, alferes? Reforçadas como? — Como é que há de ser?! Comida em abundância! — Vai-se estragar e dar prejuízo, alferes. — Nada se estraga. Quero comida em abundância, de modo a sobrar bastante. Depois do nosso pessoal bem atestado, será a vez dos miúdos virem levantar também uma refeição. Fazem bicha, como o nosso pessoal, e vêm levantar uma dose de comida. — Vamos ter problemas com o nosso capitão. — Não senhor! Não vamos ter problemas nenhuns com ninguém! Vamos mais vezes a Quimbele ou vêm cá eles trazer-nos a comida. Eu justificarei devidamente a comida a mais que se gaste... Sou eu que tenho de a justificar. A responsabilidade será minha... e sei como fazer a justificação. Não se preocupe. Limite-se a cumprir as minhas ordens. E não se preocupe. Resolvido este difícil e terrível problema da logística com o furriel vagomestre e seguro que nenhum dos seus fusíveis mentais se ia fundir, dei algumas ordens ao furriel Rodrigues: — A seguir ao almoço, com a colaboração de uma secção do nosso alferes de engenharia, é preciso ir à mata. Enquanto um grupo vai buscar água e lenha, outro vai cortar umas árvores e fazer umas estacas. Temos de improvisar um refeitório, à semelhança do Alto Zaza. Com as tábuas em cima de cavaletes e troncos de árvore com cinquenta centímetros, arranjamos mesas e bancos corridos. O refeitório poderá ficar encostado a uma árvore. De dia, dar-nos-á sombra; à noite, um dos galhos servirá para pendurar o petromax, para iluminar o refeitório e a cozinha. Quero trabalho bem feito, que mostre à população que somos pessoal inteligente e que possa servir mais tarde, quando formos embora. — E o que vão eles fazer, quando partirmos, alferes? — Se não o quiserem aproveitar, transformam tudo em lenha. E agora é altura de almoçarmos, que o tempo passa e a barriga está já a dar-me sinal. |