Um tiro a meio da noite |
Saltemos para o dia 6, mais exactamente para a madrugada deste dia, para reviver e vos dar conta dos acontecimentos.
É aproximadamente uma da manhã, quando acordo sobressaltado com um tiro. Quase no mesmo instante, entra-me no gabinete e quarto o furriel Donato, que estava de serviço. Também ele ouviu a detonação e aparece-me aflito:
— Alferes, ouviu o barulho? Pareceu-me um tiro lá atrás, na zona da cozinha.
— Algum animal que assustou a sentinela. Se fossem terroristas, não seria um disparo isolado. O melhor é ir lá falar com a sentinela, para averiguar o que foi. Mas leve a arma e as cartucheiras. Eu vou às casernas acalmar o pessoal, se é que deram pelo tiro.
O furriel saiu, seguindo, segundo creio, o percurso de segurança que estabeleci no plano para circulação nocturna durante a rendição das sentinelas. Enfiei rapidamente as botas, as calças e a camisa do camuflado, coloquei as cartucheiras e saí com a arma para a caserna do lado da pista. Em frente ao comando, no abrigo, falo baixo com a sentinela.
— Deste por alguma coisa?
— Não, meu alferes. Aqui está tudo calmo. Apenas foi disparado um tiro lá para trás. Pela direcção, deve ter sido na zona do refeitório ou da cozinha.
— Olho bem aberto. Não há luar, mas a noite está clara. Há muitos faróis lá em cima a iluminar a noite. Dá para ver qualquer coisa. Presta atenção ao montículo ali na frente. É o único sítio onde os terroristas poderão abrigar-se, se atacarem deste lado. Mantém-te imóvel e atento no abrigo, de modo que possas ver sem seres visto do outro lado do arame farpado.
Deixo a sentinela e entro na caserna. Cheira a suor e a tranquilidade. Apenas o barulho dos soldados que ressonam. Na cama junto à entrada, levanta-se uma cabeça, iluminada pela ténue chama do candeeiro de petróleo, cuja luz fraquíssima se mantém durante toda a noite. Dá apenas para vislumbrar o corredor central, a todo o comprimento, permitindo que, numa emergência, se possa abandonar rapidamente a caserna sem chocar contra as camas.
— O que é que se passa? — pergunta o soldado, que acordou com o meu ruído e levantou a cabeça.
— Não é nada! Foi uma sentinela que mandou um tiro com a G3. Podes continuar a dormir, que está tudo calmo.
Quando sigo por detrás do edifício do comando em direcção à outra caserna, encontro-me com o furriel, que regressa.
— Então, que aconteceu? — pergunto em voz muito baixa.
— A sentinela diz que viu um vulto a rondar o arame farpado, do lado da cozinha. Perguntou quem lá vinha e mandou um tiro de advertência para o ar. Não obteve qualquer resposta. Eu estive lá uns minutos com ele e não ouvimos qualquer ruído. Possivelmente terá sido qualquer animal que se aproximou da vedação, atraído pelo cheiro dos restos da comida. E o Buge também não deu qualquer sinal. Se lá andasse alguém, o cão desatava a ladrar.
— De qualquer modo, vou passar pela caserna da cantina.
— Não vale a pena, alferes. Já lá passei e está tudo calmo.
— Então vamos para a cama. À cautela, é melhor ficarmos de sobreaviso. É melhor esticarmo-nos vestidos sobre a cama, para o caso de alguma surpresa desagradável.
— Não vale a pena, alferes. Com tantas sanzalas à nossa volta, não há perigo de sermos atacados.
— Isso agora... Não se esqueça que estamos aqui há muito pouco tempo. Não me admirava nada se tentassem apalpar-nos, para nos tomarem o pulso.
— Não me diga que o alferes está com medo!
— Não é uma questão de medo: é prudência. Faça como quiser. Eu cá é que não me dispo. Vou-me esticar sobre a cama, com cartucheiras e a arma ao lado. Passa pouco da uma e meia. Poucas horas vamos ter de sono. Daqui a pouco começa a amanhecer. Até amanhã. |
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