Promessa

Neste momento o capitão ressona aqui ao meu lado. Faz mais barulho que os motores do avião, que só ouvimos quando nos concentramos no ruído que libertam. E como o sono ainda vem longe e temos muitas horas de voo pela frente, aproveito para continuar alguns minutos na vossa companhia. Ainda que não vos tenha fisicamente na frente, sinto-me acompanhado pela vossa presença. Seguramente estarão já a dormir há muito tempo, pois passa da meia-noite. E quem sabe até se não estarão a sonhar com o filho, que irá ficar ausente durante longos meses? É curioso: ainda só há dois dias vos deixei e já começo a sentir, ainda que muito leve, uma sensação esquisita motivada pela vossa ausência. Será isto o começo daquela estranha sensação tão cantada pelos nossos poetas, após longos anos de ausência da terra natal, a que se dá o nome de saudade?

Uma coisa desde já prometo: ter-me-ão frequentemente junto de vós através das minhas palavras escritas. Prometo-vos que, a partir de agora e sempre que tiver momentos livres, vos darei conta de tudo quanto vir, pensar e sentir ao longo deste desterro forçado por terras de Angola. Regularmente darei notícias, mas exijo uma contrapartida: além da resposta às minhas cartas e das notícias da minha terra, que sei que nunca me faltarão, peço (e as minhas palavras vão essencialmente para a mãe) que me arquivem religiosamente toda a correspondência. Deste modo, quando regressar de vez a Portugal (espero!) daqui por dois anos, terei um relato de todos os momentos, peripécias e descobertas que tenciono fazer em terras africanas. Já que aqui terei de passar dois anos de desterro, espero aproveitá-los o melhor possível, descobrindo e conhecendo novos lugares e novas gentes, com quem espero trocar amizade e conhecimentos.

Disse eu há pouco que o Capitão ressonava ao meu lado. De facto, ainda não desligou as turbinas. E para o roncar não se tornar tão monótono, de vez em quando vai-o intercalando com um assobio. E esta sinfonia, por vezes interrompida por qualquer estremecimento provocado por algum sonho mais agitado, tem à sua volta outros instrumentistas. De facto, tirando raras excepções, quase toda a companhia vai largada em profundo sono, mais parecendo uma orquestra de roucos instrumentos a fazer acompanhamento ao instrumento que vai aqui ao meu lado e que, pela proximidade, se destaca de todo o conjunto. Como é que eu posso dormir com tamanha orquestra, de mais a mais quando as ideias me vêm em tropel e revejo imagens dos momentos antes do embarque?

Não resta outra solução, que não deixa de ser agradável, do que continuar em amena cavaqueira convosco. E já que estou em maré de rever e pensar, aproveito para vos dar a conhecer e também recordar a maneira como passei estes dois últimos dias, desde que vos deixei.

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