Regresso ao Destacamento |
Alto Zaza, 28 de Dezembro de 1972
O dia 22, quase sempre na vossa companhia, passou
depressa. Durante o jantar na messe de oficiais, tive o
prazer de conhecer o médico que vai integrar a minha
companhia e que irá amanhã comigo no helicóptero.
Foi-me apresentado pelo capelão. Chegou de tarde a Sanza
Pombo, tendo aproveitado uma coluna de reabastecimento
à sede do batalhão. Durante o jantar,
falou-me pormenorizadamente dele.
Natural do Porto, formou-se
recentemente em Medicina e foi mobilizado para Angola,
tendo vindo integrar a 3ª Companhia do Batalhão de
Caçadores 4511. No Porto, deixou, além da namorada e
familiares, um irmão que, segundo ele, é figura muito
conhecida, por dedicar-se à música. Embora de
estatura baixa, as primeiras impressões dele
agradaram-me. Esperemos que o aforismo popular «homem
baixo...» não se aplique ao nosso médico.
Bastante sociável, falador e extrovertido, parece-me ser
um colega de infortúnio de confiança. Espero não vir a
ter necessidade dos seus préstimos como oficial de
Esculápio.
Penso que o Dr. Graça Moura engraçou
comigo. Além de me ter contado várias coisas sobre a
sua vida, falou-me demoradamente da Metrópole e foi a
minha companhia após o jantar. Temos muita coisa em
comum. Temos cursos totalmente diferentes, mas
partilhamos os mesmos gostos pela literatura, pela
música, pela fotografia. É óptimo ter, ainda que
por pouco tempo, alguém com quem trocar ideias sobre
estas áreas da actividade humana. Apesar de ter no
destacamento a companhia do furriel Rodrigues, que se tem
revelado um grande amigo, os seus horizontes
culturais não são tão amplos como os do médico.
Apenas num aspecto acho o furriel superior: conhece com
profundidade toda a música moderna. Fala-me
frequentemente de grupos como os Beatles, de que possui
toda a colecção discográfica, os Shadows, os Moody
Blues, os Rolling Stones e muitos outros nomes, alguns
dos quais desconhecidos para mim.
Já viram a quantidade de
reflexões que o encontro com o futuro médico da minha
Companhia suscitou? Vou ter de lhes cortar o fio; caso
contrário nunca mais ponho a escrita em dia.
Eram sete horas e trinta do dia
vinte e três quando o capelão me acordou:
— Ulisses, são horas. Tens de te
despachar para o pequeno almoço. — É rápido.
É só fazer a barba e tomar um duche. — Ontem, encontraste uma companhia
à tua altura. — Que companhia? Ah, pois, o médico!
Parece-me bom tipo. Parece-me que temos muitas coisas em
comum. É pena ele ter de ficar longe de mim, em
Quimbele, na sede da Companhia. Quando for à sede,
já tenho com quem conviver mais abertamente. — Então não tens os teus colegas,
alferes como tu, e o capitão Alberto? — Ter tenho. E os meus camaradas parecem-me de confiança. Mas do capitão já não digo o mesmo. Tem muito patois de
propagandista médico... Não me parece de confiança! — Isso é impressão tua!
Está cá na mesma situação que tu. — Lá isso está. Mas... — Bom, vamos lá despachar-nos,
que o relógio não pára. Às oito e trinta estava na messe de
oficiais a tomar o pequeno almoço. Fiquei na companhia
do capelão, do novo médico e do capitão Glória Dias. Antes de me sentar à mesa, fui
cumprimentar os tripulantes dos dois aparelhos que nos
iam levar ao Alto Zaza e buscar o pessoal ao local de
recolha, no meio da mata. Saíram do Negage mal o Sol
raiara e estavam agora aqui na messe, onde aproveitaram
para reabastecer os estômagos. À hora a que
saíram da base aérea ainda não tinham o bar da messe
aberto. Foi interessante a surpresa do
comandante do heli ao ver-me ali em Sanza Pombo: — O alferes está aqui?
Imaginava-o no meio da mata a tirar fotografias... — São azares! O capitão evacuou-me
ao segundo dia da operação, juntamente com um furriel.
E agora vão-me ter na vossa companhia de regresso ao
Alto Zaza. E não vou só. Vai connosco o médico da
Companhia, que depois seguirá para Quimbele. E
já agora, a que horas temos de estar na parada do
quartel para partirmos? — Pensamos sair pelas nove horas.
Daqui ao Alto Zaza a viagem é rápida. Não vou aqui relatar as conversas durante o pequeno almoço. Teria de possuir um gravador na minha cabeça... E não têm qualquer interesse para o meu relato. Basta dizer-vos que, ainda não eram nove da manhã, já eu e o nosso Esculápio tínhamos passado pela messe, para pegarmos nos haveres, e estávamos na parada da CCS, para embarcarmos. Tivemos a companhia do capelão, que foi connosco até ao local onde estavam estacionados os dois Pumas. |