Avaliação do grupo de combate |
No dia 14, logo pela manhã, fiz uma pequena lista de prioridades, entre as quais registei a elaboração de um plano minucioso de defesa e a distribuição do pessoal por secções e esquadras, mesmo antes da elaboração de um ficheiro pormenorizado com todos os dados de cada um.
Tenho aqui na frente, na pasta de documentos, o organigrama, em papel quadriculado, de todos os homens que tenho de comandar. Está organizado à semelhança das plantas dos alunos que elaborava para as aulas. E como também já tenho, neste momento, as fichas com todos os elementos, pois organizei o ficheiro durante toda a manhã do dia 15, é possível falar e reflectir um pouco acerca do pessoal que me calhou.
Vamos por partes. Comecemos pela análise do organigrama. Depois falarei da estratégia adoptada para o preenchimento dos verbetes identificativos.
Um grupo de combate é constituído por trinta homens. Todavia, dada a importância da zona onde estou, recebi um reforço de mais dez homens, contando com o furriel responsável por esta secção. Ao todo, sem efectuar qualquer distinção por especialidades, tenho quatro
furriéis, sete cabos e trinta e quatro soldados, o que dá um total não de quarenta e quatro, como disse o capitão, mas de quarenta e cinco. E não creio que me tenha enganado. Acabo de conferir, por mais de uma vez, a listagem do organigrama e dá-me sempre o mesmo resultado. Ao todo, contando comigo, somos quarenta e seis pessoas no destacamento, sem contar com o velho Manel, o civil que vive
connosco e que herdámos do agrupamento anterior. A tropa é a família dele. E como familiar que é, veste também uma farda como qualquer soldado. A única diferença é que não precisa de arma, embora utilize uma muito eficaz: a simpatia, amizade e permanente colaboração
connosco, o que faz com que seja estimado por todos.
Do conjunto à minha responsabilidade e de acordo com o registo do meu esquema, tenho doze bolas pretas assinaladas no canto inferior de cada rectângulo. Quer isto dizer que, feitas as contas, o meu grupo é constituído por 26,7% de elementos de cor e 73,3% de elementos brancos, estes últimos quase todos provenientes da metrópole. Isto resultou do facto de, aos elementos da metrópole, se ter juntado o pessoal angolano, com o qual foi constituída a totalidade do Batalhão de Caçadores 4511 durante o período de permanência no Grafanil.
Parte do pessoal angolano distingue-se dos restantes não só pela cor, mas pelos costumes que trazem consigo e, sobretudo, pelos nomes diferentes daquilo a que estamos habituados. Querem uma prova do que afirmo? Vejam então os exemplos: Cambamba, Candingo, Catalosso, Kessongo, Sanhangangue e Viringue. Além de constituírem um antropónimo, deverão certamente ter outro significado que ainda não pude averiguar. Os restantes nomes são vulgares e não merecem qualquer
referência.
Apesar de não ter tido tempo suficiente para os avaliar bem, alguns parecem-me melhores elementos do que alguns soldados que trouxe da metrópole. Há os que têm mesmo estudos liceais. Parecem culturalmente mais evoluídos que alguns dos soldados que vieram comigo. O máximo de habilitações que encontro no pessoal metropolitano, salvo uma ou duas excepções, é a quarta classe. Em contrapartida, tenho soldados das mais variadas regiões de Portugal, desde o Algarve a Trás-os-Montes, bem como um leque bastante amplo de profissões, tais como magarefe, pedreiro, serralheiro, litógrafo, agricultor, trolha, cozinheiro, mecânico, etc. Note-se que só percorri oito das primeiras fichas e encontrei oito profissões diferentes, o que significa que, em caso de necessidade, tenho especialistas para todas as tarefas que não sejam de guerra.
Voltando a reflectir sobre os soldados angolanos de cor, tenho de acrescentar que já fui abordado por alguns, que me vieram pedir se, nas horas vagas, os podia ajudar e tirar algumas dúvidas de Matemática, Português e Francês. Segundo verifiquei, há aqui alguns elementos com vontade de prosseguir os estudos, para poderem subir de posto. Um deles fez-me ter de estudar algumas noções de Matemática que não eram do programa no meu tempo de liceu. Tratava-se de alguns problemas relacionados com números binários. Como nunca tinha ouvido falar em tal coisa, tive de estar a estudar a matéria para depois lha explicar e ajudar a resolver os problemas. E estou a ver que não é a única coisa que desconheço. Ao folhear o livro, deparei com outras matérias novas relacionadas com a noção de conjuntos. Estou mesmo a prever: vou ter de estudar isto quando chegar a essa parte do livro.
Deixando agora estas considerações de âmbito científico, voltemos ao organigrama que estava a analisar. Está organizado por secções, com os respectivos elementos constituintes e comandantes de secção, tendo por baixo de cada nome a patente, a especialidade e as funções que cabe a cada um: ordenança ao comando, cantineiros, radiotelefonista, enfermeiro, condutor, mecânico, etc. Mas, além de me fornecer todos estes dados, o organigrama revelou-se também extremamente útil para a elaboração do plano de defesa, permitindo-me distribuir de uma maneira lógica o diferente pessoal pelos abrigos disseminados a toda a volta do quartel em locais considerados estratégicos.
Ainda antes de me ter preocupado com o plano de defesa, a prioridade seguinte foi dada à elaboração de um mapa pormenorizado, em papel quadriculado, com a escala de serviços para as próximas semanas. Da maneira como o elaborei, poderá funcionar perfeitamente durante os próximos meses, verificando-se uma perfeita rotatividade de funções, de modo que não haja motivos para desagrados e discussões. E é chegada a altura de passar ao ponto seguinte: o plano de defesa.
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