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Boletim da Biblioteca    

Falámos com...

   Henrique Oliveira,

professor do Departamento de Língua Portuguesa e Clássicas

O professor Henrique é já uma presença habitual na Biblioteca "Histórica". Apesar de estar aposentado, encontramo-lo à secretária a trabalhar afincadamente.
 

1. O que o liga a este espaço? O que representa, para si, a Biblioteca?

Em primeiro lugar, devo dizer que, embora as perguntas estejam bem formuladas, o seu âmbito está demasiado restrito. Para ficarem completas, terão de ser reformuladas, bastando, para tal, um pequeno aditamento na primeira frase: «O que o liga a este espaço e à Escola a que ele pertence?» Da maneira inicial, «este espaço» refere-se, logicamente, a uma área demasiado circunscrita e relativamente pequena. E demasiado circunscrita, porque não me encontro ligado apenas a «este espaço», mas a um bem mais amplo e significativo, que é a Escola Secundária José Estêvão.

Foi no espaço educativo que viria a chamar-se Secundária José Estêvão, quando «Liceu de Aveiro» deixou de ser a designação oficial, que efectuei o meu estágio em 1974. Aqui, estive ligado, durante dois anos, aos estágios pedagógicos: no primeiro, como estagiário; no segundo, como orientador de Português do estágio de Clássicas. No meu terceiro ano de ensino na cidade de Aveiro, onde tenho parte das minhas raízes, fui-me efectivar naquela que é actualmente a Secundária Homem Cristo. Ali permaneci até 1995, voltando, no seguinte, a esta que foi a minha primeira «casa» e onde exerci até 2006. Logo, estou afectivamente ligado não apenas à Biblioteca, mas a todo o espaço onde ela está inserida e onde passei uma grande parte da minha vida útil, enquanto elemento integrado e ao serviço de uma comunidade.

Penso ter respondido de uma maneira bastante sucinta à primeira questão formulada. Falta agora a segunda parte da questão: o que a Biblioteca representa para mim. Mas, antes da resposta propriamente a este aspecto, há um outro que, embora não enunciado, está implícito ou, pelo menos, me iria surgir se estivesse na posição de mero leitor: o que levou terá levado o entrevistado a ligar-se à Biblioteca e a aí passar uma grande parte dos seus tempos livres, mantendo-o assíduo frequentador, apesar de já se encontrar na situação de aposentado?

Reflectindo sobre o que acabo de dizer, verifico que é muito mais fácil e rápido responder à pergunta original: o que representa o espaço da Biblioteca para mim. E é pelo mais fácil que vou começar, desfiando depois o novelo de acontecimentos que me levou a ficar mais profundamente confinado a este espaço mais restrito de um mais vasto que é a nossa escola.

Uma Biblioteca é um espaço de estudo, um espaço onde está à nossa disposição o saber humano arquivado nos diferentes formatos de publicação ao longo dos tempos. Embora vivamos numa época de tecnologias altamente sofisticadas e em fase de desenvolvimento acelerado, em que o espaço humano deixou de ficar confinado geograficamente à terrinha em que vivemos, a verdade é que o saber hoje consultável através da Internet nada seria sem o legado impresso pelos nossos antecessores. E por muito sofisticadas e versáteis que sejam as novas tecnologias, estas nunca poderão substituir o espólio guardado nas nossas bibliotecas. Ao contrário dos conhecimentos acessíveis através das novas tecnologias, o espólio cultural ao nosso dispor numa biblioteca é mais fiável e duradouro. Aquilo que está registado nos livros é muito mais duradouro e seguro do que tudo quanto se encontra noutros suportes de informação. Aos olhos dos mais jovens, isto poderá parecer como uma verdadeira heresia, como um autêntico disparate. Mas se eles se desligarem um pouco do universo dos computadores e das tecnologias modernas e utilizarem o seu próprio computador pessoal, isto é, o cérebro para reflectirem, descobrirão as razões da minha anterior afirmação. Para os ajudar a devidamente equacionarem o problema, vou ajudá-los com algumas dicas importantes.

Pensemos num livro ou, por exemplo, numa enciclopédia, e num CD ou DVD carregado de programas e de informação. Qual destes suportes de informação é o mais fiável e capaz de desafiar o passar do tempo? A escolha óbvia é a primeira. Um livro ou uma enciclopédia impressa é a opção mais acertada, porque mais valiosa, prática, fiável e capaz de desafiar o passar do tempo. Muito mais do que o mais sofisticado suporte de informação digital.

No momento actual, a Biblioteca da Escola Secundária José Estêvão é uma mais valia para a nossa comunidade, tal como todas as bibliotecas existentes na nossa cidade. Mas neste momento, à semelhança do que acontece também noutras escolas, a Biblioteca é um espaço com diversas possibilidades e atractivos para todos nós. Neste momento, a Biblioteca não é mais aquele espaço do passado, aquele espaço em parte representado pela parte histórica, onde geralmente os «cotas», os mais velhos e os professores costumam passar uma parte do tempo. Neste momento, a Biblioteca é um espaço onde as novas tecnologias estão presentes, onde jovens e adultos podem encontrar outros suportes de informação, onde podem ouvir ou ver aquilo de que precisam, quer como fonte de trabalho, quer como fonte de lazer. É que a escola foi enriquecida com um novo espaço. Além da parte histórica, existe a parte moderna, constituída por três sectores: a parte para trabalho dos responsáveis pela Biblioteca, o sector para acesso à Internet por parte dos alunos e o amplo e agradável espaço da nova biblioteca, onde os alunos podem estudar ou consultar as obras impressas de que precisam, bem como aceder aos suportes de informação digital. E também ocupar alguns momentos de lazer, ouvindo a música de que gostam ou vendo um bom filme, dos muitos à disposição dos frequentadores da biblioteca.

A resposta à primeira pergunta desta entrevista já vai demasiado longa e susceptível de começar a ser fastidiosa para o leitor. Esta reflexão leva-me a prescindir do aditamento efectuado e a passar à seguinte.

 

 

2. Que trabalhos aqui tem desenvolvido?

Os trabalhos que tenho vindo a desenvolver podem repartir-se por duas áreas distintas: a primeira, consiste em colocar as minhas competências, na área das novas tecnologias, ao serviço da Biblioteca e também dos colegas que solicitam o meu apoio; a segunda, ultrapassa o âmbito da biblioteca e da escola, porque abrange um projecto aberto a toda a comunidade, aproveitando as enormes potencialidades das novas tecnologias.

Relativamente à «nossa» Biblioteca o que apoio tenho vindo a dar-lhe ao longo deste últimos anos?

O primeiro apoio foi-me solicitado ainda antes da actual biblioteca existir. Há algum tempo que a nossa escola pretendia o apoio oficial e subsidiado para a criação de um novo espaço, à semelhança do que fizera anteriormente a escola nossa vizinha, ou seja, a actual Mário Sacramento. Todavia, a pretensão era indeferida, sendo necessário que a equipa responsável pelo novo espaço tivesse um elemento especializado na área das novas tecnologias enquanto recurso educativo. Como o meu mestrado foi precisamente nesta área, o Conselho Executivo da escola pediu-me que, além do apoio aos Recursos Audiovisuais, ficasse também na equipa responsável pelo novo espaço. E o projecto foi aceite e a novo espaço da nossa Biblioteca, mirabile dictu, nasceu para benefício de toda a comunidade escolar, graças em grande parte ao trabalho do então principal responsável, o nosso colega Albano.

Pessoalmente, eu também lucrei com a mudança, porque satisfizeram um pedido meu. Há muito que pretendia que o meu espólio audiovisual não ficasse inútil e perdido nos ficheiros de arquivo e pudesse ser partilhado pela comunidade. Todavia, para isso, era necessário que a Escola me disponibilizasse os recursos materiais. Conseguiu-se adquirir, não a máquina que inicialmente pedira exclusivamente para digitalização de diapositivos. O seu preço era exorbitante e ultrapassava todas as verbas. Em contrapartida, conseguimos um scanner pecuniariamente muito mais acessível, mas ainda assim suficientemente polivalente. E a aquisição revelou-se muito mais versátil do que a primeira hipótese colocada, na medida em que não só me permitiu a reconversão de mais de metade do meu espólio em diapositivos, já disponíveis no arquivo digital, mas também dar apoio a um projecto mais ambicioso. E hoje tem-se revelado uma ferramenta útil na reconversão de documentos históricos pelo sistema de OCR.

Com a Biblioteca nova em pleno funcionamento, comecei por reconverter para DVD todos os filmes originais existentes em VHS no arquivo da sala de audiovisuais. E a Escola tem permitido que os professores e pessoas da comunidade reconvertam gratuitamente de VHS para DVD os filmes originais que possuam, desde que o filme ainda não exista em formato digital na Biblioteca. As cassetes originais em VHS vão para o arquivo morto da Escola ou para o armário-expositor existente na sala de estudo. Do filme reconvertido para formato digital são criados dois discos: um exemplar é entregue à pessoa que ofereceu a cassete; o outro fica para consulta e visualização de todos os utentes da Biblioteca, que o podem requisitar e ver num dos dois leitores de DVD disponibilizados na moderna sala de leitura. Sempre que um filme apresenta interesse pedagógico, creio que os professores o podem requisitar para casa durante um curto período de tempo, para selecção e preparação dos conteúdos para exploração nas aulas.

Neste momento, penso ter já recuperado para a nossa biblioteca cerca de duzentos filmes.

Mas o apoio não se limita a isto. Sempre que alguém necessita dos meus serviços, só não os terá se estiverem para além das minhas possibilidades.

O outro grande e importante contributo para a nossa comunidade é a manutenção e desenvolvimento do projecto colectivo que é o espaço «Aveiro e Cultura». Isto só é possível graças ao apoio não só da Escola, mas sobretudo das nossas entidades educativas. Enquanto se mantiver o importantíssimo projecto que é o Prof2000, indispensável nos tempos modernos se quisermos que as novas tecnologias sejam devidamente aproveitadas nas nossas escolas, as páginas colectivas continuarão a ser mantidas.

Quando digo que o projecto avança graças aos apoios da escola e das entidades educativas do nosso país, estou longe da verdade completa. O projecto tem avançado, porque há também um elevado número de aveirenses que nos têm dado o seu valioso apoio, fornecendo-nos material bibliográfico e icónico, que temos vindo a colocar na Internet. E não podemos também esquecer aqueles colegas que, estando já aposentados como eu, continuam a vir regularmente à escola e a encontrar-se comigo no acolhedor espaço da nossa Biblioteca Histórica. E tudo isto temos que agradecer à compreensão dos colegas e, sobretudo, do Conselho Executivo, que todos os anos tem autorizado o funcionamento do Clube Multimédia.

Não disse tudo o que haveria para dizer, mas é tempo de passarmos à questão seguinte, que vamos demasiado alongados.
 

3. As novas tecnologias, de que é um utilizador activo e actualizado, fazem, cada vez mais, parte da nossa vida e da vida escolar. Considera que a sua utilização sistemática, por alunos e professores, se sobrepõe às funcionalidades atribuídas às bibliotecas escolares?

Se prestaram atenção ao que disse anteriormente, poderão deduzir que as novas tecnologias nunca poderão substituir os suportes tradicionais de informação. As novas tecnologias são mais um recurso ao serviço do Homem. E um recurso poderosíssimo! Mas não nos podemos deixar deslumbrar por ele, sob pena de virmos a poder sofrer dissabores e reveses, por vezes irreparáveis.

Os computadores são uma invenção revolucionária. A informática hoje está em todo o lado. Mas... Como todos os recursos, são uma faca de dois gumes: têm vantagens e inconvenientes. E, relativamente à nossa juventude, ainda sem o calo da experiência da vida, podem ser uma ameaça, um verdadeiro perigo. Não é por acaso que, em alguns países, já existem tratamentos de «desintoxicação», chamemos-lhe assim, para recuperação de jovens que se deixaram arrastar pelo deslumbramento da Internet e dos jogos disputados em linha e se esqueceram da vida em comunidade. Como tudo na vida, tem que haver conta, peso e medida.

As bibliotecas modernas são um local não apenas de procura de informação, mas também de encontro com outros colegas, com os outros elementos da sociedade em que estamos inseridos. Daí que acho bastante acertada a política seguida na nossa, como seja a de se ter conservado a Biblioteca em duas vertentes: uma, com carácter mais conservador, com espaço para a pesquisa histórica e para a reflexão; a outra, mais moderna, mais voltada para o espaço de tempo mais próximo do nosso dia-a-dia e com um ambiente mais convidativo para os mais novos e muito mais agradável para umas leituras ou para o estudo.

Pena tenho eu relativamente à nossa cidade, que, ao criar-se uma Biblioteca Municipal mais moderna, num novo espaço, se tenha deixado perder para toda a comunidade uma Biblioteca tão ou mais valiosa que a actualmente em funcionamento. A antiga, com cerca de 30 ou 40 anos de existência, estava impecavelmente apetrechada e convidava ao estudo reflectido e à pesquisa. Rivalizava, por exemplo, com uma Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, pese embora o facto de ser muito mais pequena. Hoje, é um espaço mal aproveitado, que alguns erradamente querem mesmo eliminar do património aveirense e que nunca deveria ter deixado de existir. Quem a criou sabia perfeitamente o que estava a fazer e dera à cidade um espaço importantíssimo. A moderna e actualmente em funcionamento é acolhedora, mas... As duas deveriam estar em funcionamento. E a cidade só teria a lucrar com isso, tal como hoje nós lucramos no espaço mais restrito da nossa escola. Temos aqui duas vertentes importantes para uma Biblioteca dos nossos dias.

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