Figuras da região em Defesa do Património

António Graça

 

António Graça é um nome bem conhecido de quantos, ao longo das últimas décadas, se sentem preocupados com a acção devastadora e sempre arrogante do camartelo, em Aveiro. «Ignorante» das modernas teorias aprendidas nas universidades, sem qualquer título pomposo de “bolseiro” em Institutos Superiores nacionais ou estrangeiros, nenhum desses ilustres titulares teria coragem de se propor ensinar, ao humilde «manufacturador de calçado», hoje com 77 anos, melhores formas de defender a «memória colectiva» da sua terra, para aqueles que atrás de nós vierem.  

Nascido na rua da Sé, em 23 de Novembro de 1903, filho de Manuel Rodrigues Dilalma Graça, sapateiro, e de Maria Bárbara, logo começou a ajudar o pai naquele ofício, quando acabou para ele o caminho da escola. Por amor ao Desenho, frequentou, mais tarde, as aulas do mestre Francisco da Silva Rocha, de quem foi grande admirador, concluindo o curso de Desenho com boa classificação, embora o tempo lhe não permitisse horas livres para dar reais provas dessa sua natural inclinação.

Não foi homem de discursos, de debates jornalísticos, de intervenções políticas («a minha política era o trabalho!»), mas não faltava sempre que o Património Cultural da sua terra estava ameaçado, captando, pela imagem, as características relevantes da vida e do urbanismo da cidade. Político, foi-o em todo o sentido da palavra, pois ninguém, melhor do que ele, se inquietou com as alterações da sua «polis». Por isso, com uma simples e pequena máquina fotográfica, primeiro, depois, com melhor aparelhagem, soube registar, comparar e actualizar imagens duma cidade que cresce, com atropelos, às vezes insensível ao belo e ao característico, juntando documentação que muitos aveirenses invejam.

Aveiro nos fins do século XIX (1890). Clicar na imagem para ampliar.

Há dias, quando revivia, com o Sr. Graça, o Aveiro de Oitocentos, perplexo, perguntei-lhe:

— Mas... isto era assim?

— Deram cabo de tudo! — respondeu secamente, repetindo: — De tudo!

Felizmente, porém, nem tudo se perdeu. Na sua humilde casa empilham-se milhares de fotografias, reproduções, ampliações, chapas, postais ilustrados..., que têm esta cidade viva, embora empacotada.

Aveiro nos fins do século XIX (1890): Largo de Luís Cipriano Coelho de Magalhães, antigo Presidente do Município de Aveiro e pai de José Estêvão. Neste local se realizava a praça de hortaliça e da fruta. À direita, a casa com as Alminhas do Côjo e a barbearia do Rei-Dones (Foto de Tércio Guimarães). Clicar na imagem para ampliar.

Feira de S. José. Clicar para ampliar. Aveiro nos finais do século XIX. Clicar para ampliar.

Aspecto da feira da madeira, em 19 de Março de 1900, conhecida por Feira de S. José. A venda da madeira era feita na Rua da Alfândega, à esquerda, e na Rua do Cais, à direita, onde também se vêem barracas da Feira de Março.

Aspecto de Aveiro nos finais do século XIX, vendo-se o Largo do Rossio, a Feira de Março e a Capela de S. João.

De resto, desde 1959, ano em que o Sr. Graça fez uma extraordinária exposição integrada nas festas do Milenário de Aveiro no Teatro Aveirense, muitas outras se têm sucedido: nos Galitos, no Museu, no Salão Cultural da Câmara, em escolas... mas não chega! Para além das exposições, o material volta catalogado para as caixas, para os embrulhos, para os armários, guardado religiosamente em sua casa, na rua Capitão Sousa Pizarro (antiga rua da Sé). E o homem simples que se pode orgulhar de ter mostrado Aveiro «Como era e como eu vi a minha terra» (em 1959, era este o título da exposição no Teatro Aveirense) — também rapidamente, com toda a facilidade, nos mostra o Aveiro de hoje, para que amanhã se possa ver a nossa terra como ela era. Afinal, um enorme potencial de documentação, que se não pode perder pelo grande interesse histórico e para o qual os responsáveis devem estar atentos.

— Que pensa fazer a todo este material?

— Ainda não sei...

Sim, mas era tempo de alguém se preocupar com ele e encontrar, com o Sr. Graça, resposta mais positiva. Ele, que toda a vida trabalhou duramente e que, para conseguir o maior legado de imagem que de Aveiro existe (o de Tércio Guimarães, meu íntimo amigo, já falecido, também era muito grande) talvez tenha sacrificado a família, mas, sobretudo, sacrificou-se a si pelo amor à terra que o viu nascer, é hoje um homem rico, já que se sente realizado no seu mundo, optimista, sempre a fotografar, a coleccionar, cheio de energia, como se tivesse trinta e poucos anos. Mas vai em setenta e muitos este homem que, há várias décadas, cidadão de corpo inteiro, nesta terra que rapidamente se transforma, descobriu, do seu ponto de visita, a melhor forma de defender — já que ninguém o ouvia! — para as gerações futuras, a imagem cultural duma cidade que era diferente.

Canal Central em dia de cheia. Clicar para ampliar.

Em sua homenagem, aqui ficarão algumas imagens raras de Aveiro (1) colhidas um pouco ao acaso nas montanhas dos seus documentos vivos, com o reconhecimento de quantos amam Aveiro.  

Aveiro, Outubro de 1980,

AMARO NEVES

Aspecto do Canal Central em dia de cheia. À direita, no Largo do Rossio, a antiga capela de S. João, edificada em 1607 e demolida em 1911.

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(1) As legendas destas imagens são da autoria do Sr. António Graça, com as quais ele nos esclareceu sobre os aspectos focados na gravura.

NOTA – António Graça nasceu em 23 de Novembro de 1903 e faleceu em 11 de Fevereiro de 1991. (Aditamento de HJCO)


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