JORNAL
N.º 4

MAIO 1990 Ano II


ESCOLA SECUNDÁRIA HOMEM CRISTO - AVEIRO
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ENTREVISTA

com a escritora

Graça Gonçalves

Maria da Graça Gonçalves Gomes dos Santos, nascida em Lisboa em 20 de Setembro de 1951, é médica e exerce as funções num Posto de Saúde de Aveiro.

Tirou o curso de Medicina como trabalhadora-estudante. Foi professora de diferentes disciplinas, entre as quais de Saúde, ao longo de quatro anos.

Em meados de Dezembro de 1986, publicou o primeiro livro, que teve uma boa aceitação.

O seu livro «A Poção Mágica» vai ser editado em 1990. Mereceu-lhe um dos prémios Ferreira de Castro de Literatura Infanto-Juvenil, da Câmara Municipal de Sintra, referente ao concurso de 1987.

Em 1988, a Associação Portuguesa de Escritores, ao apreciar os originais concorrentes ao Prémio Revelação de Literatura Infanto-Juvenil, recomendou para publicação o seu original «Tchim e Pim», com o qual dará início a uma colecção de oito títulos.

Escreveu também peças de teatro: «A Prenda» e «A Teia». Deste último livro falou durante uma entrevista na Televisão, em 1 de Dezembro de 1989.

Feita a apresentação desta escritora, passemos à entrevista, efectuada por Cláudia Susana e Sandra Cristina.

-  Como concilia a vida de médica, familiar e de escritora?

- Muito dificilmente. Almeida Faria disse, e eu concordo, que escrever é 10 % de inspiração e 90 % de transpiração. Além disso, os temas que eu abordo na escrita — a adolescência, a transgressão, filhos de pais separados, impreparação sexual, toxicodependência, alimentação, defesa do consumidor, SIDA e outros — exigem muito estudo prévio na tentativa de rigor científico e, por tudo isto, não resta tempo livre. Mesmo nenhum, nem para fins de semana e, por vezes, nem para fazer férias.

Ah! E, ainda há o bichinho do teatro. Quer dizer que gosto de teatro e gosto de escrever teatro. Nas escolas pedem-me para fazer peças de teatro sobre este ou aquele tema e eu, sempre que possível, tento satisfazer o pedido.

Com tudo isto e até porque também gosto muito de ser médica, a única maneira que encontro de descansar é repousar de um trabalho a fazer outro. Assim, quando estou cansada de escrever, vou para a cozinha, depois da consulta médica, vou arrumar isto ou aquilo. Sempre assim. Mas isto já é um treino muito antigo. Comecei a trabalhar muito nova. Fui trabalhadora-estudante.

- E quais foram os empregos?

- Tantos... Empregada de secretaria, empregada nas caixas registadoras ou no bengaleiro da Associação Académica de Coimbra. Pintar panos ou fazer artigos de couro para vender em “boutiques”. Professora de Educação Física na Escola Secundária da Mealhada (onde criei um grupo de Teatro que interveio nas Campanhas de Dinamização e que gerou uma amizade tão forte entre todas nós, que ainda hoje permanece...). Já médica, fui professora de Saúde alguns anos e tantas outras coisas.

- O que sente quando lhe atribuem algum prémio?

- Embora sinta alguma alegria e reconhecimento pelo meu trabalho, a importância que dou ao prémio passa pela maior facilidade em editar o livro premiado. Pois, parece-me diferente o comportamento das editoras face a livros já premiados.

- O último que saiu foi «A Teia». O que é «A Teia»?

- É um pequeno romance sobre a adolescência, a cumplicidade e o amor muito forte entre dois jovens e onde “a intrusa” irá pôr muito seriamente à prova todo o relacionamento deles.

- Assenta na sua experiência médica?

- Assenta. A “intrusa” a que me referia há pouco é a droga e é terrível como ela destrói o amor. É de facto tão terrível, dói tanto assistir ao desaparecimento progressivo de todos os aspectos, a sensibilidade, a emotividade, a verdade (que passa a fazer, de tal forma, parte da mentira, que nem o toxicodependente, quando quer, sabe distinguir).

A dependência não é um problema de droga, mas de carência, é uma doença dos sentimentos. O toxicodependente é um doente afectivo.

Tenho atendido toxicodependentes, alguns de drogas duras. (Este termo “droga dura” é incorrecto, pois já não se faz assim a distinção entre drogas “leves” e “duras”). Nós tentamos tudo por tudo ajudar mas, nestes casos, a recaída é sempre a regra. Tão frustrante que a estatística, quanto a toxicodependentes de drogas duras, aponta para a recuperação de apenas 3%. Repito: 3%. Os outros 97 %, ... Contrariando a imagem que alguns ex-toxicodependentes (e ser ex-toxicodependente nunca pode ser profissão...) ao falarem em escolas dão. Admiro-lhes a coragem e a disponibilidade ao partilharem as suas experiências, mas é preciso que fique muito claro que esses pertencem aos 3 % que conseguiram dar a volta. E o perigo, o enorme perigo para quem os ouve é pensar: «Este gajo injectou-se, roubou, prostituiu-se, mas conseguiu sair. Portanto, se eu quiser, também consigo sair...». A verdade é que, mesmo os 3% que conseguem sair, ficam com sequelas difíceis, que passam, muitas vezes, por dificuldades sexuais muito sérias.

Na “Teia”, numa linguagem muito acessível, penso estar a diferença entre a transgressão com retorno — a transgressão pujante de vida, o que é não dever fazer para se poder fazer o que se deve — e a transgressão sem retorno.

Eu, pessoalmente, defendo, e defendo muito fortemente, o direito à experimentação e ao erro, mas temos que questionar os limites dessa experimentação, os limites toleráveis — ir e vir, mas permanecendo vivo e dando possibilidades à continuidade de amar.

- Quais são os livros que saem este ano?

- Nos próximos dias, sai «Tchim e o nascimento... Pim. O primeiro de oito livros que estou a fazer para a Bertrand, numa colecção que se chama “Colecção do Tchim”. Ainda este ano sairá o segundo volume: Tchim e a Ali, a Menta e a Ção. É uma colecção para os mais novos.

Não sei ainda a data, mas está programado para sair este ano, pela Editorial Caminho, a Poção Mágica.

Também sairá o livro «Gosto de Ti», que é o primeiro livro de uma colecção para adolescentes. Escrita de uma maneira que penso muito acessível, aborda várias situações emblemáticas. Neste primeiro livro, a par com o mistério provocado por uns bilhetes de amor deixados numa carteira da sala de aulas, e outras coisas, aborda o caso de filhos de pais separados, que se confrontam com a realidade do pai-de-fim-de-semana (o pai biológico) e o pai-de-todos-os-dias (o marido da mãe). E... bem, o resto só lendo...

Para este ano também está programada a estreia de outra encenação feita à minha peça de teatro “A Teia”. Está a ser trabalhada e depois será representada em Escolas Secundárias. O texto desta peça foi analisado e aprovado pelo Dr. Laborinho Lúcio, Projecto Vida, e pelo Gabinete de Planeamento e Coordenação do Combate à Droga e é este último que irá subsidiar a peça, pensando sobretudo na sua exibição nas Escolas Secundárias.

- Tem sido convidada para ir às Escolas?

- Tenho. Já quando publiquei «A História de Desamor ou» fui solicitada para ir a várias escolas e agora com «A Teia», que se debruça sobre um tema, infelizmente, tão actual, os pedidos para debater são muitos. E é com dificuldade que tento conciliar isto tudo.

- Outros planos?

- Continuo a tentar tudo por tudo para abrir, em Aveiro, um CAJ (Centro de Atendimento de Jovens). Não é um Centro de Atendimento de Toxicodependentes. É sim um local onde um jovem pode ir esclarecer dúvidas de carácter sexual, alimentar, profiláctico e tantas outras coisas. Um centro que deverá ter articulação com o núcleo de Educação para a Saúde e com outros elementos do Tecido Social como as Escolas, Pais, Autarquias, etc. ... depois para intervir acredito muito mais num divertido “sketch» elaborado pelos jovens e pelo pessoal trabalhador do CAJ do que numa fastidiosa palestra... Mas esta conversa fica para outra altura.

Entrevista realizada por Cláudia Susana, n.º 13, 8º H e Sandra Cristina, n.º 22 da mesma turma.


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