Como caminhos diferentes se cruzam

Em meados de 2001, quando andava na companhia de um alferes miliciano, já a meio de um terceiro volume, a registar-lhe as aventuras de dois anos de guerra colonial, vi-me bruscamente separado dele. Convidaram-me para ser o líder do Prof2000 na Escola Secundária José Estêvão.

Pesei os prós e os contras antes da resposta. Previ e bem! que o protagonista iria ficar irremediavelmente perdido no meio de uma operação, sem regresso ao destacamento. Mas a recusa do convite poderia trazer também consequências negativas, impedindo-me de colocar as minhas capacidades ao serviço da comunidade.

Uma das obrigações enquanto líder era o de criar e colocar na NET uma página pessoal. Cumpri a obrigação. Mas ficara-me um minúsculo cálculo no sapato a arranhar-me a consciência: qual o interesse para os outros de uma página pessoal colocada na Internet? Não seria mais útil e proveitosa a reconversão dessas páginas para um projecto colectivo relacionado com a região aveirense e a cultura em geral?

Nasceu o «Aveiro e Cultura»! Com ele, nasceu também uma série de problemas: que conteúdos aí colocar? Nesse conjunto de páginas será certamente indispensável incluir tudo quanto tenha interesse para a comunidade: associações culturais, contributos científicos e literários diversos, trabalhos práticos de índole pedagógica, em suma, tudo o que apresente verdadeiramente interesse, cultural e pedagógico, e que os colaboradores façam chegar ao responsável por este «site».

– Mas qual o interesse do «Aveiro e Cultura» neste preciso momento? Que relação tem com a obra que agora se publica? Estão seguramente a perguntar-se!

Tem!... Tem! E muito! Sem o aparecimento destas páginas, talvez nunca caminhos diferentes se viessem a cruzar!

E porque caminhos diferentes frequentemente se cruzam, a perda de um amigo e vizinho, que frequentava o mesmo café onde as páginas do «Aveiro e Cultura» passavam das ideias para o papel, fez com que esse caminhos se cruzassem.

A perda de um amigo e vizinho levou ao encontro e consolidação de amizades. Pessoas que apenas se conheciam de vista passaram a juntar-se regularmente, às segundas-feiras, no café frequentado pelo amigo que tinham em comum. Nascera a Tertúlia em memória de João Sarabando, que podemos observar, hoje e sempre, na companhia de Mário Castrim e Clara Sacramento, no final da estreia, em Junho de 1990, de Contar e Cardar, graças a uma fotografia inserida no final da obra que se publica.

E como é que ela nasceu em formato impresso?

Entre os que frequentam o café que permite um agradável convívio em memória de João Sarabando contam-se alguns elementos do CETA. Através deles, especialmente do António Bastos, tivemos acesso às folhas dactilografadas por Mário Castrim da obra Contar e Cardar.

Lemos os textos. Gostámos! As peças aí incluídas tinham para nós um interesse muito especial. Além de falarem da região que amamos tanto ou mais do que a terra em que nascemos, além de referirem problemas sociais que são de ontem, de hoje, e continuarão seguramente a ser de amanhã, constituem um excelente material pedagógico para motivação dos nossos alunos, constituem um excelente meio para os interessarmos pelas coisas que são nossas, para os interessarmos pelas coisas que nos rodeiam e às quais nem sempre damos a devida atenção.

Em breve, os cinco textos que constituem o Contar e Cardar estavam na Internet, à disposição de todos os que gostam de teatro. E daqui para a obra impressa foi um pequeno salto. Há muito que o CETA estava em dívida de gratidão com Mário Castrim. Que melhor forma de pagar-lhe o carinho pela terra e o empenho desinteressado na produção dos cinco textos do que publicar-lhe o trabalho?

Mário Castrim teve ainda a oportunidade de corrigir a versão que colocáramos na Internet. Leu-a e corrigiu-a de um dia para o outro, por altura de uma breve estadia em Aveiro, meses antes do funesto acontecimento que o levou fisicamente do nosso convívio. A partir das correcções por ele efectuadas, compusemos e montámos graficamente a obra que hoje publicamente se apresenta.

Infelizmente, já não pudemos contar com a visita prometida do Mário à Tertúlia João Sarabando.

Infelizmente, não podemos hoje pedir ao autor que coloque uma dedicatória e um autógrafo nos livros que escreveu. Mas ele continuará sempre entre nós.

Ele continuará sempre na companhia do João Sarabando, cuja confissão nunca deixará de desconcertar o Diabo, sempre que efectuarmos a leitura da cena VI do “Auto dos Moliceiros” (pág. 89).

Aveiro, 8 de Fevereiro de 2003

Henrique José Coelho de Oliveira


NOTA: Para finalizar, foram passados os três primeiros minutos da gravação do programa de Carlos Pinto Coelho, ACONTECE, relativo ao dia do falecimento de Mário Castrim.
 

 

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