Embora
ultimamente a escrita me esteja a dar mais prazer do que a leitura,
continuo a pensar que a leitura é uma das muitas fontes de prazer de que
o Homem pode dispor. Quando analiso o que foi a minha experiência de
leitura através dos tempos, constato, com surpresa, que ela foi sofrendo
uma evolução permanente, passando por fases específicas.
Logo
no meu primeiro ano de escola primária, ainda mal conhecia as letras,
vi-me subitamente perante a necessidade de as dominar completa e o
mais rapidamente possível, para descobrir as histórias ocultas por
detrás dos textos daqueles livros que alimentavam a minha fantasia.
Antes, tinha de me apoiar na paciência da minha mãe, que me lia e depois
recontava as histórias de fadas e duendes. Agora, era preciso ser eu a
revê-las nos momentos em que estava só e, sobretudo, desvendar o
que estava nos novos livros que me eram oferecidos.
Mas
a grande necessidade de dominar plenamente as palavras surgiu no dia em
que o meu pai me ofereceu uma colecção de revistas em banda desenhada.
Aconteceu isto quando ele verificou que eu começava a ligar as
letras e a descobrir rapidamente as palavras que elas formavam. Ao contrário
dos pedagogos da época, considerava ele que a banda desenhada era um estímulo
poderoso para a aprendizagem da leitura. E, volvidos tantos anos, já sem o ter junto de mim para lho poder
dizer cara a cara, tenho de lhe dar
inteira razão. A banda desenhada, desde que alie a qualidade da imagem à
qualidade do texto, é uma forma magnífica de divulgar conhecimentos e,
sobretudo, de desenvolver a rapidez de leitura numa criança.
Lembro-me
perfeitamente como se fosse hoje! Estávamos em Dezembro. À hora de jantar, o meu pai apareceu em casa com
uma colecção de
revistas em banda desenhada. Pôs-mas na frente. A minha mãe refilou:
«Eu era ainda muito pequeno. Ainda só há coisa de três meses começara
a conhecer as letras. O que é que o miúdo ia fazer com aquilo?»
O
meu pai não fez caso das críticas. Viu rapidamente aquilo que ela
não conseguira ver: o brilho de alegria nos olhos de um miúdo, ao receber
revistas com tantas imagens e histórias novas. Tinha
toda a razão!
Em breve, a colecção, que ainda hoje conservo, estava
integralmente lida e decifrada. E outras começavam a ser feitas. Passei a receber, todos os sábados, a seguir ao almoço, dois escudos e
cinquenta centavos. Eram para comprar "O Cavaleiro Andante". Era a
revista de banda desenhada mais lida na época pela juventude. Era a
revista que eu trocava temporariamente com um companheiro, que comprava
"O Mundo de Aventuras". Deste modo, tínhamos a possibilidade de
ler duas revistas pelo preço de uma.
A
verdade é que, com as revistas de banda desenhada, a leitura tornou-se
uma actividade tão fácil e agradável como brincar. E entrei numa nova
fase. >>>
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