Um furo de esperança no caminho

Uma paragem forçada, lá no largo e esta corrida de sempre para o diálogo.

 

Há um puto, meio sujo e meio alegre, olhando de frente para nós.

 

Quantos anos tens?

Dois mais dois e outros tantos.

Oito. Estás cá um velhote!...

Velhota era a tua avó.

Bom, não se fala mais nisso. E o teu nome?

Já vi que tens língua de perguntador... Eu chamo-me Jesus.

Estás a mangar.

Não estou nada, acredita se quiseres...

Com esse teu arzinho de presépio, és capaz de ter razão...

Eu tenho cara para tudo. Pergunta ali à Madalena...

 

A Madalena é que não está pelos ajustes e continua a jogar à macaca, sozinha.

Ouve cá, ó Jesus...

Eu não me chamo Jesus... Engoliste-a, não foi?

Lá isso é verdade. Pensei estar a falar com um homenzinho...

Aí, o miúdo faz uma carranca e joga fora a pedra que tinha na mão.

 

Acerta em cheio numa carcassa de lata e funga, a medo, esta ameaça:

— Merecias levar com ela no pote das migas... Lá por ser garrano, não és mais homem que eu...

 

Ele apanha do chão uma verdasca e acrescenta, já a modos que refeito da terrível ofensa:

Há uma coisa que eu te podia dizer...

Então diz.

A Madalena é minha namorada.

Parabéns, rapaz. Já cá estava meio desconfiado...

 

E logo ele, repentino:

Então porque pensaste que eu não fosse um homem? E olha aqui, já viste esta peitaça?

Tens razão, Jesus...

Não sou Jesus... Não faço milagres, mas sou José dos Milagres...

 

Uma buzinadela suspende-me a resposta. O pneu está mudado e vamos arrancar.

 

O miúdo vem para mim de mão estendida:

Toma lá uma mãozada à homem e não sejas canalha se encontrares o pai da minha rapariga...  

 

Pinto da Costa, 18/11/1988

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