De: "Rui Matos"
<ruimatos@mail.prof2000.pt>
Date: Tue, 6 Sep 2005 16:39:58 +0100
Subject: Uns contra os outros
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Original Message
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From: Pedro_Figueiredo_-_GRUPO_ERGOVISÃO_S.A.
<pedro@ergovisao.pt>
Date: Mon, 5 Sep 2005 18:53:38 +0100
Uns contra os outros
Vim para Viseu há
cerca de uma dúzia de anos, mas a minha terra natal fica lá na Beira
Baixa, Pampilhosa da Serra. Costumava dizer, em jeito de brincadeira,
que a minha Pampilhosa não é aquela do comboio, mas antes a dos
incêndios. Pois, quase todos os verões as referências nos mass media
àquela vila são devidas aos fogos florestais.
Tristemente,
neste ano, tudo se volta a repetir. Contudo, os fogos deste ano
conseguiram suplantar todas as previsões. Ao som medonho das línguas
de fogo juntou-se o som medonho da revolta dos populares. Esta
revolta não se prende apenas com a perda – ainda que minimizada por
muitos – do sustento agrícola e florestal, mas com a incapacidade e
inoperância daqueles que se intitulam de coordenadores, líderes.
Infelizmente, e
como já referi, as pessoas daquelas localidades já conhecem as
manhas do fogo, já o sabem interpretar, pois já convivem com esta
realidade há muito tempo. O corpo de bombeiros é composto pelas
gentes da terra, são os Bombeiros Voluntários de Pampilhosa da
Serra. Homens e mulheres de garra, prontos a partir. Assim que ouvem
o grito agonizante da sirene, largam empregos e famílias, porque é
uma honra pertencer àquele grupo, porque é um dever impregnado nos
seus hábitos.
Assim sendo, é vergonhoso não se ter permitido a estes
homens – que tão bem conhecem este concelho – indicar o caminho para
chegar lá naquela hora. Lá é o ponto onde é acessível e possível
controlar as chamas, a hora é aquele momento antes das chamas
crescerem ao ponto de não se saber onde é que elas vão parar na
imensidão do céu.
Quando o fogo era
passível de ser controlado, nada foi feito para o travar. Quando o
fogo tomava proporções descontroladas, era então o corrupio de
carros de comando para cima e para baixo, sem que ninguém
verdadeiramente soubesse avaliar a situação. Uns contra os outros!
Quem conhecia o terreno e indicava os caminhos existentes ou
estratégias óbvias era visto como um louco, mais um a mandar
"papaias" no trabalho dos outros. Os "outros" estavam bem instalados
com o seu ar condicionado e as suas novas tecnologias e as suas
ideias de coordenação que não têm aplicação no nosso país, porque
nunca foram testadas, avaliadas, corrigidas. Enfim, aquilo que as
teorias aconselham fazer para que na prática o projecto possa ser
bem sucedido.
A realidade
daqueles dias, em Pampilhosa da Serra, mostrou a falta de preparação
teórica e prática. E, pior ainda, mostrou a falta de humildade e de
capacidade de dar a volta por cima. Senão, vejamos os exemplos: os
tanques andavam perdidos à procura de localidades das quais nem
sabiam bem os nomes, quanto mais a localização; os bombeiros exaustos
dormiam agarrados às mangueiras, porque ninguém no comando das
operações se lembrou de os mandar revezar; o fogo extinguia-se por
si próprio num lado da encosta, enquanto do outro se
alastrava e os bombeiros eram posicionados no lado errado; os
populares alertavam para os reacendimentos e quando a tropa chegava,
passadas algumas horas, já as chamas tinham um tamanho assustador e
logo se batia em retirada; os bombeiros, quando questionados por que
razões não combatiam o fogo, diziam que tinham recebido ordens de o
fazer apenas quando este ameaçasse as casas (!); argumentava-se com
a falta de acessos, quando os populares com carrinhas os usavam para retirar animais e apagar focos de incêndio.
Tudo isto que
aqui relatei foi por mim presenciado, ninguém me contou. Vi as
pessoas a ajudarem-se para protegerem os bens umas da outras, a
organizarem linhas de água, a limpar em redor das casas, a fazerem
vigília enquanto se revezavam para um pouco de descanso, a
consolarem-se e a encorajarem-se. Vi, na escuridão da noite e sob a
protecção do Cristo-Rei, o cerco cor de laranja que sitiava a vila,
o fumo avassalador que tanto me irritava os olhos e a garganta, o
calor abrasador que me trazia uma angústia tão forte que, de repente,
me fez juntar às vozes de revolta. Por que razão tantos meios e
tantos homens, vindos de muitos pontos do país, não foram capazes de
impedir que quase 37 mil hectares dos 39 que compõem o concelho da
Pampilhosa da Serra fossem consumidos pelo fogo?
À memória do
Paulo da Piedade,
Bombeiro Voluntário de Pampilhosa
da Serra |