|
Um som
fraterno de quissange dolente envelhece em notas silenciosas,
eternas como as pedras, para sempre eternas… ecos de indeléveis
melodias …
Acácias e cassuarinas emolduram o caminho de regresso ao
passado. Eis-nos de novo, neste difícil e frio Dezembro europeu.
Tão frio. São outros os rastos das estrelas nos céus diferentes
de agora…
Junto ao regato, por trilhos de areia ladeados de pedrinhas e
trevos de quatro folhas, nos angolanos presépios da nossa
infância, crescia livre a vida, embrulhada em sonhos de criança.
Da árvore de Natal - que era sempre um cedro e não um pinheiro -
exalava um perfume vegetal, intenso e cheiroso como a candura da
meninice pendurada em balões e chocolates, tão quente, tão doce,
como as redondas laranjas e as saborosas tangerinas,
inseparáveis das macias memórias desses natais distantes…
Acontecia isto quando a realidade era o que a fantasia permitia
que ela fosse. Lá longe, tão longe, no tempo em que Dezembro se
vestia de quentura e dispensava agasalhos…
Hoje somos a grande ilha de saudade onde sobram enfeites e
prendas na árvore de Natal que já não é um cedro oloroso. Mas o
sol insiste em tecer outonos e invernos mesmo quando as festas
são menos mudas. Fazemos tréguas com o passado, ainda que haja o
peso de um bloco de saudade no lugar do coração. E resistimos,
re-inventando afectos.
Nos sorrisos desenhados de ternura, fica sempre um pedaço de
mundo por contar…
Alice Pinho, Aveiro, 22/Dezº/04
|
|