AINDA
tenho muito vivo no espírito o belo e tão lúcido discurso de Mário
Castrim, pronunciado, com veemente sentimento de justiça, lá onde a
Posteridade começa.
Desejo, pois, iniciar estas
breves palavras agradecendo àqueles cuja iniciativa permitiu ao povo de
Aveiro exprimir, ainda uma vez, hoje, no cemitério e aqui, a sua
fidelidade e o seu preito à memória de Mário Sacramento, figura que
simboliza os mais profundos
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valores humanos. Ele continua vivo – disse-o Mário Castrim; e vivo
continuará: aquelas flores que hoje cobriram a sua campa homenageavam
também o futuro que ele tanto defendeu.
Vamos ouvir novamente falar
dele. Desta vez o Dr. Óscar Lopes.
Minhas Senhoras
e meus senhores:
Não tenho a pretensão de vos
apresentar o Dr. Óscar Lopes. Portugal inteiro o conhece. Quero apenas
dizer-vos que ninguém melhor do que ele poderia discorrer, hoje, sobre
Mário Sacramento. Uma completa identidade une estes dois grandes
espíritos. Ambos se dedicaram à crítica e à história literária. Ambos
devotaram a vida ao povo português, às suas aspirações e à sua cultura.
Trilhando o mesmo caminho, por essa devoção pagaram numerosos
sacrifícios, os que se tornaram públicos e os que ficaram íntimos e são,
muitas vezes, os mais dolorosos.
Mesmo que Óscar Lopes não
falasse nesta homenagem póstuma, que prestamos a
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um homem exemplar, de todos nós tão querido e tão admirado, mesmo que
nos desse apenas a sua presença, poderíamos afirmar que ele representava
aqui a Mário Sacramento, como um irmão a outro irmão. Irmãos pelo
espírito, pelas ideias e seus objectivos, que é onde a fraternidade se
realiza de maneira mais completa. Irmãos eram e irmãos continuam sendo
na obra de cultura de que tanto carece o nosso povo.
Há anos, num tribunal do
Porto, foram julgados cinquenta e dois jovens, entre eles Óscar Lopes,
já então professor e homem de letras prestigioso, de quem fui
testemunha. E uma das acusações que lhe faziam, a principal, era de
haver tido contactos com o povo.
Quando o advogado de defesa
me perguntou se eu considerava um crime os contactos dum escritor com o
povo, não era só a causa do Dr. Óscar Lopes que se julgava, era a causa
de tantos intelectuais do Mundo inteiro, inclusive eu próprio. Quem
melhor poderia contribuir para a cultura popular, quem melhor poderia
interpretar os anseios dum povo do que os seus intelectuais? Eis um
ponto que me parece ter ficado, mais uma vez, bem definido, através das
palavras e da minha
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própria emoção, nesse julgamento memorável.
Realmente, se todos os
escritores se houvessem desinteressado do progresso humano, a própria
civilização teria evoluído muito menos e os seus imensos defeitos e as
suas inumeráveis injustiças seriam hoje mais numerosos ainda do que são.
Vamos ouvir o Dr. Óscar
Lopes. E, através dele, vamos de novo conviver com Mário Sacramento,
que tanto honrou Aveiro, que tanto honrou Portugal e tão
persistentemente serviu a Humanidade, sem uma só quebra, sem um só
desvio, sem uma só incoerência.
Ferreira de Castro
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