Considerações finais
O porto de Aveiro, com o seu acesso definitivo e completamente
melhorado, seria um excelente refúgio para a pequena navegação que
frequenta uma costa batidíssima e em que, de Lisboa ao Porto, não há
sequer um único porto de refúgio capaz. A sua posição, defronte dos
pesqueiros das traineiras de Matosinhos, dá-lhe, para essa função,
especial valor. E será certamente preferível gastar mais 30.000 contos
em Aveiro, com boas garantias de êxito, atingindo simultaneamente vários
fins, do que ir fazer avultadas despesas em qualquer outro ponto da
costa, em que, com dispêndio igual ou maior, se serviria apenas, e
provavelmente mal, o objectivo limitado de um porto de refúgio.
De facto, o porto de Aveiro, podendo muito bem desempenhar a importante
função de porto de refúgio, pode desempenhar também, ao mesmo tempo,
outras funções muito mais vastas, como sejam: a de porto de armamento
para a pesca longínqua, onde a respectiva frota encontra possibilidades
de desenvolvimento quase ilimitadas; a de porto de pesca costeira, onde,
asseguradas as condições de passe, também se encontram condições de
franco desenvolvimento; a de porto de comércio e cabotagem, onde, logo
de início, aparecerá movimento importante, justificado pela sua situação
privilegiada, pela sua zona de influência e pela rede de estradas e
caminhos de ferro que servem essa zona de influência; e, finalmente,
como porto industrial num futuro próximo, após o desenvolvimento que
incontestavelmente provoca uma franca comunicação com o mar.
Supomos que um porto que reúne em si todas estas finalidades merece bem
a atenção dos poderes públicos.
Mas há mais ainda.
Um porto com situação tão privilegiada, embora seja considerado um porto
regional, reunindo em si requisitos que só nos nossos principais portos
se podem encontrar, desenvolverá indubitavelmente essa região.
Desse desenvolvimento resulta logicamente um muito importante rendimento
indirecto para o Estado, porque, criando e desenvolvendo riqueza, cria e
aumenta a matéria colectável. Este é o mais importante princípio que há
a considerar no caso do porto de Aveiro, e dentro deste princípio fica
completa e cabalmente justificada a execução do ante-projecto do
prolongamento dos Molhes da Barra de Aveiro.
Conclusões
1.ª − Vimos que, uma vez asseguradas as condições de passe da barra de
Aveiro, para o que o nosso ante-projecto, a nosso ver, dá as necessárias
garantias de êxito, o porto de Aveiro fica imediatamente em condições
de:
a) criar uma frota bacalhoeira capaz de, pelo menos, fornecer 25.000
contos de bacalhau por ano;
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b) restituir ao mercado central do país, já criado pelas artes de xávega,
15.000 contos de peixe fresco;
c) proporcionar, pelas necessidades actuais da região, um movimento de
cerca de 100.000 toneladas de mercadorias, afora o correspondente à
considerável tonelagem de peixe e a todos os desenvolvimentos a prever.
2.ª − Vimos, pelo Decreto n.º 26.106, recentemente publicado, e por
números extraídos de estatísticas oficiais, que se está tentando dar à
nossa depauperada frota bacalhoeira um revigoramento necessário,
procurando-se ao mesmo tempo aumentar o número de navios e tentando-se
que esse aumento se faça sem precipitações. Demonstrámos que esse
aumento acarretará o aparecimento de alguns vapores de arrasto e
provocará sobretudo um grande aumento do número de navios veleiros.
Observámos que esse aumento da nossa frota não pode ser feito sem que se
dêem boas condições de acesso e seca aos respectivos portos de
armamento.
Vimos que no porto de Aveiro, apesar das suas actuais más condições de
acesso, se alberga 1/3 da nossa frota bacalhoeira, e que este porto tem
acompanhado até agora, à frente dos outros portos, o desenvolvimento que
o Estado imprime a essa frota.
Determinámos depois o valor do bacalhau a pescar pelos navios da praça
de Aveiro, valor esse que, atingido o pretendido desenvolvimento da
frota, uma vez conseguido o acesso da barra, não deverá ser inferior a
25.000 contos.
Demonstrámos, finalmente, que os referidos 25.000 contos são actualmente
enviados, em pura perda, para o estrangeiro, em paga do bacalhau seco
que se importa.
Deste estudo que fizemos sobre a pesca, importação e consumo do
bacalhau, conclui-se que mais vale empregar no porto de Aveiro 32.000
contos para garantir o bom acesso da barra e permitir a expansão da
frota bacalhoeira, do que enviar, no que respeita à quota parte que cabe
a Aveiro, 25.000 contos anualmente para o estrangeiro em pura perda. Só
por si, esta conclusão extraída de números oficiais, e concordante com a
orientação dada pelo Estado, defende, de maneira insofismável, o
prolongamento dos Molhes para melhoramento da barra de Aveiro;
3.ª − Quanto à pesca costeira, concluímos que não convém de forma
alguma, sob pena de perda de importante matéria colectável para o Estado
e concomitante perda de actividades, deixar morrer a indústria da arte
de xávega sem a substituir pelos modernos processos de pesca, para os
quais Aveiro tem, depois do acesso da sua barra garantido, condições
favoráveis muito especiais. Essa substituição corresponde ao
reaparecimento e concentração da pesca costeira no porto de Aveiro, no
valor de 15.033 contos anuais. Também, quase só por si, este facto, que
os números nos revelam com extraordinária clareza, justifica as obras de
prolongamento dos Molhes.
4.ª − O movimento comercial que o porto, depois de garantido o seu
acesso, deverá ter, e avaliado pelas actuais necessidades, em 100.000
toneladas, é garantia do desenvolvimento económico da região, criando
actividade própria, riqueza e, consequentemente, aumento de matéria
colectável.
Num futuro próximo e com obras interiores, as 100.000 toneladas deverão
ser ultrapassadas.
5.ª − Tendo Aveiro condições esplêndidas para porto de pesca longínqua,
pesca costeira, porto de comércio e cabotagem, alia a estas condições
óptima situação como porto de refúgio, o que de forma alguma deve ser
desprezado numa costa como esta, tão desabrigada e batida, evitando sem
dúvida despesas elevadas com a execução de outros abrigos, por certo
menos eficientes que o porto de Aveiro.
Nestas cinco conclusões, estabelecidas à luz dos números das
estatísticas oficiais, se condensa o valor económico do porto de Aveiro.
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Em relatório a publicar dentro de breves dias, apresentaremos elementos
de estudo sobre o tráfego e valor económico da laguna. Não podemos, no
entanto, fazer constar desta informação esses elementos, já porque são
muitíssimo numerosos e tornavam esta informação excessivamente extensa,
já porque, no presente momento, necessitam ainda esses elementos de
cuidada revisão.
Esse relatório a publicar demonstra-nos que na Ria de Aveiro transitam,
por ano, cerca de 800.000 toneladas de mercadorias, das quais 400.000
constituem produtos extraídos da laguna, e 400.000 constituem produtos
industriais e agrícolas, importados e exportados, e que utilizam a
extensa rede fluvial de canais e esteiros como meio económico de
transporte.
Por este número se pode fazer uma ideia da aptidão da laguna para
auxiliar eficazmente o movimento comercial e de pesca que, porventura,
no porto de Aveiro venha a estabelecer-se. É a laguna que, pelo menos,
porá imediata e economicamente em comunicação com o porto de Aveiro a
actividade de uma população superior a 100.000 habitantes.
Forte da Barra e Secretaria da Repartição Técnica, 23 de Dezembro de
1935.
O Engenheiro Director,
a) João Ribeiro Coutinho de Lima
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