A Forma e o Conteúdo
Exposição de Mário Morais
no
SALPOENTE
A partir de 3 de
Agosto
Há dias recebi um telefonema do meu amigo Mário Morais, companheiro de
andanças pictóricas em AVEIROARTE, para assistir à inauguração da
exposição que ele tem patente no moderníssimo restaurante SALPOENTE,
situado no aveirense Canal de São Roque. Eu não podia faltar. E lá
estive com um punhado de amigos para lhe dar o meu abraço.
Quer se queira quer não, o espaço expositivo tem muito a ver com o que é
exposto. Eu já conhecia os trabalhos que Mário Morais iria expor e,
sobre eles, até já havia escrito uma pequena introdução para o catálogo
das obras ora expostas. Mas o que é facto é que estas, mercê da
atmosfera criada no espaço mágico do restaurante SALPOENTE, aparecem-nos
com um brilho extraordinário. Os quadros respiram melhor, parece que
adquirem nova vida e a envolvência provoca uma nova abordagem do
trabalho pictórico, fazendo com que nos aproximemos espiritualmente das
obras de Mário Morais. São os mesmos quadros que eu vira antes, mas a
luz transmuda-os.
Esta exposição tem um nome – “Entre a Forma e o Conteúdo” – que encima,
no catálogo, o meu texto que a seguir transcrevo:
“Tenho perante mim dois desdobráveis referentes a duas exposições
individuais, as mais recentes que, dele, eu vi. A primeira, para a qual
escrevi pequeno texto, em 2008, o artista Mário Morais entendeu
subordiná-la a um denominador comum: EXPERIMENTALISMUS. À segunda,
datada de 2010, chamou-lhe, simplesmente PINTURA, não deixando, contudo,
no seu interior, de a definir como um “confronto entre a forma e o
conteúdo”.
Esta definição suscitou-me, então, e continua a suscitar-me alguma
inquietação: o que prevalece na PINTURA de Mário Morais?
A forma? O conteúdo? É que ele diz que há um confronto, uma luta entre
as duas coisas… E isso permite-me especular: o que será para ele, o
criador, mais importante?: o conteúdo, entendendo eu o conteúdo como
sendo aquilo que o artista nos quer transmitir ou a forma, tout
court, que ele manuseia, usando uma tela, ou qualquer outra
superfície, e as suas tintas e outros materiais que ele utiliza para dar
um tratamento matérico ao quadro que ele produz?
Tenho para mim que, para Mário Morais, não é esse o confronto com que
ele se debate. O mais importante é mesmo a luta que ele trava, quando
afronta a tela branca que se lhe depara, utilizando meramente a forma
para nos transmitir o conteúdo do seu mundo interior.
Doutra feita, o artista perder-se-ia em meros jogos formais, sem
qualquer outro tipo de preocupação.
Vou recorrer a uma tese que o psicólogo e filósofo Jung desenvolveu e
que me parece que se aplica ao caso concreto do acto criativo. Todos nós
nascemos com “uma herança psicológica que se soma à herança biológica”,
e que “ambas são determinantes essenciais do nosso comportamento e da
nossa experiência”. Como já li também em qualquer parte, cada indivíduo
nasce como um quadro em branco, uma tábua rasa, e que todo o
desenvolvimento psicológico vem do acúmulo da sua experiência pessoal.
Todo o criativo, todo a artista, frente à sua tela branca, não faz mais
do que usar os instrumentos que aprendeu a manusear para “se transpor
para esse vazio”, enchendo-o de pedaços da sua vida: das suas visões,
das suas emoções, da sua poesia… É nessa transposição que está o
confronto, que está a luta…
O artista, bem no fundo, é o vaso continente de tudo o que está por
transvasar para garantir o conteúdo daquilo que, sendo um pedaço de si
mesmo, ele se esforça por deixar ir ficando circunscrito em cada quadro
que produz.
Saibamos apreciar, aqui e agora, para nosso deleite, estes pedaços de si
mesmo, estes pedaços do próprio Mário Morais que ele nos oferece. “
Este “aqui e agora” sai enriquecido com o novo espaço que SALPOENTE nos
faculta.
O restaurante de hoje é uma feliz recriação de um outro SALPOENTE que,
tempos idos, se tinha apropriado de velhos armazéns de sal que já não o
eram, para se converter também num restaurante.
O SALPOENTE de hoje, decididamente, trata-se de uma brilhante
intervenção da arquitecta Paula Tinoco que nos garante a continuidade da
cor exterior dos velhos palheiros do Canal de São Roque, cuja serventia
deixou de existir com o estertor do salgado da Ria de Aveiro.
E a política de exposições que os proprietários do restaurante decidiram
perseguir só nobilita o espaço que eles desejaram criar.
É um exemplo a seguir… e É UMA EXPOSIÇÃO A VISITAR.
GASPAR ALBINO |