Epílogo

Acaba de tocar a campainha para a última parte do filme. Já estou outra vez sentado no meu lugar, tendo como ecrã a parede vazia do meu quarto.

Agora não digo que a sala já está às escuras, porque se me faltasse a luz, não poderia registar no papel as imagens que se projectam na minha mente.

O filme já está a correr. A manhã passou e já almoçámos. Abri uma lata de sardinhas de conserva. O petisco até me soube bem, apesar do bocado de pão já estar rijo. Acompanhei o petisco com uma lata de sumo de ananás. As sardinhas eram saborosas. O único problema estava no molho de tomate, que era bastante picante. Provocaram-me um certo fogo no estômago, que procurei apagar com o sumo.

Depois de todo o pessoal à nossa volta se ter aproximado para o café, a minha máquina fartou-se de trabalhar. Infelizmente, só faz três bicas de cada vez. É uma máquina das mais pequenas, para poder andar na mochila. Tive de a encher várias vezes. E cada um teve de esperar pacientemente a vez de saborear o cafezinho. Só depois disto, com todo o pessoal bem almoçado e satisfeito, levantámos o acampamento.

Com cerca de meia hora de percurso em marcha acelerada, que estávamos com pressa de chegar ao Quitari, obriguei a coluna a parar por uns breves minutos.

— O que é que se passa? — Veio o capitão indagar, quando lhe chegou a informação que estávamos parados porque o alferes estava a vomitar.

— Foram as sardinhas, capitão. — disse eu, no meio de alguma atrapalhação, mas procurando minimizar a situação. — Foi tudo fora! As sardinhas eram macho e vinham armadilhadas com lança-chamas. Isto não é nada, capitão. Vamos já andar. Se voltar a vomitar, nem é preciso pararmos. Preciso é chegarmos depressa ao Quitari. Além do mais o enfermeiro já me deu uma pastilha para o estômago. Esperemos que seja um bom extintor de bolso!

Não tivemos mais paragens. A pastilha pareceu ter funcionado perfeitamente. Fiz o resto do percurso sem me lembrar mais do incidente, nem dos estafermos das sardinhas.

Chegámos ao Quitari a meio da tarde. Muito a tempo de tirarmos fotografias e irmos depois tomar um banho no rio onde o pessoal do Quitari se abastece de água.

Para ficar mais bonito, o furriel emprestou-me o chapéu, que me fez enfiar na cabeça. Mandou-me prestar atenção ao passarinho. Não vi nenhum passarinho, mas fiquei acompanhado por alguns passarões. Ao meu lado, para também ficarem na fotografia, vieram colocar-se dois milícias do enquadrante Francisco. Ao fundo, ficaram as tendas onde está instalado o pessoal do batalhão que está a reforçar-nos e que está dependente do Alto Zaza.

Pernoitámos, pela última vez, no destacamento do Quitari. No dia seguinte, pelas oito e quinze da manhã, já tínhamos as viaturas para nos levarem. O capitão seguiu directamente para Quimbele, sem parar no Alto Zaza. Eu tive de ficar para o almoço. Fui depois à procura do Joaquim para o levar para Quimbele. Não tive qualquer dificuldade em o convencer para ir comigo e integrar a equipa de futebol de salão. Ficou logo entusiasmado. Apenas tive que pedir autorização ao velhote, o soba da Cabaca e pai do rapaz.

 

Neste momento, podemos já apresentar a legenda «FIM». O nosso filme sobre a operação na região do Quitari foi muito mais longo que o «Ninho das Víboras» e seguramente muito mais interessante. E chegou ao fim. Com o fim do relato, poderia agora entrar na normalidade das correspondências e aproveitar para responder à carta, que chegou hoje da metrópole, a meio da manhã. Mas não o vou fazer. Como ainda não é tarde, vou até ao Briosa Bar conviver um pouco com os oficiais de Sanza Pombo. Não quero que fiquem a pensar que sou algum selvagem sem qualquer educação.

Assim sendo, resta-me despedir com um grande beijo de saudades para os meus velhotes queridos.

Vosso filho, que muito vos quer,

 

Ulisses de Almeida Ribeiro

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