Bumba! Recenseamento frustrado |
Passei a manhã de segunda tranquilamente em descanso na sanzala. Fui ao rio buscar água com cinco soldados e uma colecção de miúdos. Encheram-se os bidões e tomámos uma refrescante banhoca. O facto de, na linha de água, estarem mulheres a lavar roupa, não impediu de nos despirmos completamente, de nos ensaboarmos com champô e de voltarmos a mergulhar na água pouco profunda para nos livrarmos da espuma. A manhã passou depressa, com um dia bonito e sem nuvens. E, por falar em dia bonito sem nuvens, tenho reparado, ou talvez seja impressão minha, que chove menos do que o habitual. Ultimamente, temos apanhado menos cargas de água imprevistas quando andamos nas picadas. Parece-me que o clima está a alterar-se ligeiramente. Ou será só impressão minha e simples coincidência? Não importa! Deixemo-nos de reflexões meteorológicas, que esta não é a minha especialidade. À hora do almoço, tive uma surpresa dos furriéis: — Alferes, é hoje que se vai levar o reabastecimento ao Cuango... — Claro, Ramalho. Está farto de saber desde ontem. Tenho de lá ir levá-lo a seguir ao almoço. E amanhã, logo pela manhã, tenho de ir procurar o povo de Bumba. Tenho de ver se o descubro e se faço o recenseamento que falta. Só depois regressamos aqui à base. — Nós tínhamos um pedido para lhe fazer. — Nós quem, Ramalho? — Eu e o Rodrigues. — Sim. E o que pretendem? — Eu tenho estado aqui sempre. Ainda não conheço o Cuango. O alferes tem andado sempre de um lado para o outro. Deve estar cansado. Precisa de descansar. E, além disso, pode aproveitar o descanso para acabar de passar a limpo os recenseamentos. — Sim. E depois? Onde é que quer chegar? — O alferes ficava aqui, a descansar. Tem os nativos para conviver. Ia eu e o Rodrigues levar o «reab» ao Cuango. Fazemos o recenseamento do povo que falta. E amanhã já cá nos tem outra vez. Concordei com os furriéis. Arrancaram a seguir ao almoço. Passei o resto do dia e o seguinte na sanzala, em descanso, gozando os últimos dias de «turismo» entre cubatas, nativos e bicharada. Eram precisamente dezoito horas e trinta minutos do dia vinte e sete de Março, uma terça-feira, quando o meu pessoal regressou do Cuango. Lembro-me perfeitamente que levantei a tampa preta de couro, que cobre o mostrador do relógio para o proteger da poeira e da chuva, e que os ponteiros do meu «Caunymatic» marcavam esta hora. Foi precisamente este o registo que fiz na agenda: «Chegaram da operação BUMBA às 18:30». Assim que o pessoal desceu da viatura, veio o furriel Rodrigues dar-me conta da operação. — Alferes, os nativos que lhe deram as informações ou o enganaram ou não têm esperto no cabeça. — O quê, Rodrigues? — Ou o enganaram ou são burros. — Então porquê? — Porque as informações que lhe deram não deram certo. — Mas não bateram certo porquê? — Porque nos fartámos de andar na zona do Suaicomba e não descobrimos nenhuma povoação. Nem vestígios! — E então o Joaquim? Não falaram com os nativos das sanzalas à volta do Cuango? — Falámos não. Falou o Joaquim. Mas essa povoação já não deve existir. A não ser que as informações não tenham batido certo. O que sei é que nos fartámos de andar. Foram quilómetros e quilómetros. É uma zona plana, a perder de vista. Deve ser boa para a caça, alferes. Mas, sem nativos connosco, tirando é claro o Joaquim, que conhece a região tanto como nós, tivemos medo de nos perdermos. Ou que a viatura avariasse e ficássemos ali perdidos. Já viu o que seria, alferes? Quem é que depois dava connosco? Acabámos por desistir. Felizmente que não choveu e não nos apagou as marcas do rodado. E agora, alferes? — Agora? Agora, nada! O que quer que eu faça? — Ah, é verdade, alferes. Temos de ir a Quimbele. — Já?! Ainda agora chegaram! E a fazer o quê, Rodrigues? — Já, não! Ainda agora chegámos e vimos com as costas todas rebentadas, alferes. — É fazer uma reclamação, Rodrigues. Pegue em papel azul e exija que os bancos dos unimogues sejam almofadados e com molas. E a que propósito querem ir a Quimbele? — Eu não estou interessado. E o Ramalho é capaz de também não querer. Vimos todos partidos. Mas pode lá ir o alferes. — Mas fazer o quê, Rodrigues? Só lá vou se houver motivo que o justifique. — Temos aqui os sacos da correspondência, alferes. A correspondência do pessoal que está no Cuango. — Então não a mandaram no pardal porquê? Não continuam a receber a carne e o correio do Negage? — Ó alferes, isso é só à sexta-feira, segundo me disseram. E hoje é terça. E além disso aproveitamos também para mandar a nossa correspondência. — Quer dizer, tenho mesmo que ir amanhã a Quimbele. — Se o alferes for depois do almoço, eu vou também consigo. Amanhã já estou recuperado. De manhã ainda escrevo uns aerogramas para casa e depois vou também consigo. |