Resumo e fim da carta

Vou ter de resumir o resto dos acontecimentos após a partida do capelão na manhã de segunda-feira. Daqui a pouco vai o furriel Rodrigues a Quimbele e leva a saca do correio. Aproveito para enviar esta colecção de aerogramas.

Tirando a despedida do capelão, cuja companhia desta vez foi de curtíssima duração, o dia decorreu normalmente. De manhã, retomaram-se os trabalhos iniciados na sexta-feira. De tarde, fui à Cabaca efectuar o pagamento aos GEs 201. E o resto da semana decorreu sem nada de especial. Foram os trabalhos rotineiros e a continuação das obras de defesa. O único facto que quebrou a monotonia foi a ida, no dia sete deste mês, novamente à sanzala dos GEs. Foi uma actividade diferente do habitual e tão agradável para os GEs, ou até mais, do que terem recebido os vencimentos ou o pré, como lhe queiram chamar. E porquê? Já vão ver qual a razão da alegria dos GEs.

Eram quinze horas quando cheguei à Cabaca com quatro ou cinco soldados e a Berliet carregada. Parámos no meio do largo central e dei ordens para que o chefe Simão reunisse todo o pessoal:

— Chefe Simão, mande reunir toda a gente para me apresentar o grupo e efectuar a chamada.

— Sim, meu alféris.

Enquanto o chefe Simão reunia e formava o grupo, para as devidas formalidades militares, o meu pessoal foi descarregando os fardos da Berliet.

Depois da apresentação do grupo e de eu ter dado ordem de «à vontade», falei ao grupo:

— Na segunda-feira passada, todos receberam o pré e efectuámos a verificação das armas e munições. Hoje, dois dias depois, volto a mandar-vos reunir. Não é para vos pagar nada, mas para vos trazer uma coisa nova. Recebi da Companhia os fardos que os meus soldados acabaram de descarregar. A partir de hoje, sempre que vier à Cabaca, eu ou o nosso Capitão, ou quando tivermos operações conjuntas, isto é, quando tivermos operações juntos na mata, quero os GEs tão bem vestidos como os meus soldados. Considero-vos tão importantes como o meu pessoal. Vão agora receber fardamento novo. É rigorosamente igual ao nosso. Têm de o tratar com cuidado. O fardamento velho vai continuar a pertencer-vos. Não o quero. É vosso. É o vosso fardamento diário, quando vão para a mata caçar ou tratar da vossa vida. É velho, mas está ainda bom para usarem nas vossas tarefas normais. É vosso. Não precisam de o devolver. O novo é para usarem quando tiverem operações connosco ou para quando eu aqui vier inspeccionar o grupo e fazer-vos os pagamentos. Agora, vou chamar um de cada vez. Quando ouvirem o vosso nome, dizem «pronto» e avançam. Vêm levantar o fardamento novo. E depois podem retirar-se, sem voltar à formatura. Entenderam todos o que vos disse?

Como ninguém faz perguntas, quer dizer que todos entenderam bem. Ah, é verdade, esquecia-me de vos dizer uma coisa importante. Ao levantarem o vosso fardamento novo, vejam qual é o número, porque há vários tamanhos. Confiram com o antigo. Vejam no fardamento que trazem qual é o número, se ainda lá continua. E depois, se houver pequenas diferenças, têm aqui na sanzala um alfaiate que poderá fazer-vos os acertos. E ele é bom alfaiate. Já tive a prova disso. O meu lavadeiro já cá me trouxe os calções para coser e ele fez um bom trabalho. Quero todos bem apresentados.

Toda a gente entendeu o que eu disse. Fui chamando um a um e apreciando as caras de satisfação dos GEs, ao levantarem o novo fardamento. Achei piada aos comentários que faziam uns aos outros, mas procurei manter-me sisudo...

 

— O alferes nunca mais pára de escrever? Estamos todos à espera que o alferes acabe...

— Tem razão, Rodrigues. Termino já. Estava a acabar de relatar a distribuição do fardamento aos GEs. Termino já. Entretanto, faça-me um favor: vá-me dobrando e empilhando os aerogramas, enquanto acabo esta folha.

— Certo, alferes. Mas despache-se. Quando não, passa a manhã e nós queríamos chegar a Quimbele a horas do almoço, para aproveitarmos o resto do dia.

— Com a Berliet a viagem é mais rápida e cómoda, Rodrigues. Estou a acabar. E antes de voltarem para cima, vejam se o furriel vagomestre não continua em Quimbele. Vocês é que se lixam, que têm de fazer os turnos de serviço que lhe competiam a ele.

— Não fica lá mais tempo. Garanto-lhe, alferes.

 

 

Vou mesmo ter de terminar. Tenho aqui junto de mim o furriel Rodrigues impaciente, à espera que acabe a escrita. Hoje é domingo e quer aproveitar o resto do dia em Quimbele. Para mais, hoje é dia de cinema. É natural a impaciência dele!

Um grande abraço para todos os meus amigos, aí na Metrópole. Para vós, muitos beijos de saudades do vosso filho.

 

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