Rapidez dos Correios

Alto Zaza, 10 de Fevereiro de 1973

Acabo de receber dois aerogramas vossos, com as datas de 1 e 5 deste mês. E o que me espanta é o segundo, por causa da data. Se o escreveram aí, na Metrópole, no dia 5, significa isto que a correspondência apenas necessitou de cinco dias para percorrer a distância que nos separa. E estou pasmado! De boca aberta, com a rapidez dos serviços! Felizmente que as moscas não andam à minha volta, porque arriscava-me a engolir alguma, tal é o meu espanto! E não é que isto me está a fazer trabalhar a imaginação?!

Estou a ver a mãe a escrever o segundo aerograma no dia 5. Se a escrita foi da parte da manhã, teve tempo de o pôr no correio da parte da tarde. Isto significa que todo o trabalho de transporte foi rapidíssimo: apenas quatro dias! De 5 para 6, foi a viagem do aerograma de Coimbra até Lisboa. Em 6 já estava no avião e, oito horas depois, em Luanda. Terá chegado ao S. P. M. de Luanda no dia 7, pouco depois das oito horas, se as viagens da Metrópole para Angola ocorrerem no mesmo período de tempo em que se efectuou a nossa viagem para aqui. No dia 7 foi efectuada a triagem de toda a correspondência e de 7 para 8 o aerograma terá feito a viagem nalguma coluna militar entre Luanda e Sanza Pombo. De 8 para 9, de Sanza até Quimbele. Finalmente, no dia 10, chegou-me às mãos.

Sim senhor! É caso para estar de boca aberta! Os correios civis e militares estão a prestar um excelente serviço. Rapidez e eficiência! E há ainda outra ilação a tirar deste facto: com tamanha rapidez, seguramente que não haverá tempo para a nossa correspondência ser lida por olhos alheios. Não acredito que a PIDE ou outra qualquer censura tenham tempo de ler os milhares de aerogramas que circulam entre a Metrópole e as várias regiões da África, onde temos de dar o nosso corpo ao manifesto e cumprir dois anos de «férias turísticas forçadas». Mas, mesmo que eventualmente a nossa correspondência possa ser bisbilhotada, não sinto qualquer preocupação com isso. Não encontram aqui nada de especial; apenas o relato da verdade e o resultado do cumprimento dos deveres que me foram impostos. Como diz o ditado: «Quem não deve, não teme!»

Já repararam como, estando aqui isolado no meio da mata, todos os pormenores se tornam importantes e me servem de pretexto para reflexões? Se estivesse aí, nunca gastaria tanta tinta em reflexões motivadas pelas datas da correspondência. Aqui, todos os pormenores são importantes e pretexto para reflectir.

Deixemos a questão das datas e da eficiência dos correios e passemos a outros aspectos.

 

Tenho que referir que, com o vosso correio, chegou também uma encomenda com algumas lambarices. Até estou agora a escrever-lhes e a saborear, lentamente, um bombom com um recheio gostoso, que deverá ser um creme de avelãs, se é que o meu paladar ainda não se esqueceu deste pequeno prazer gustativo. Os rebuçados, como se conservam melhor, vou-os guardar para brindar os meus amigos de palmo e meio, quando me vêm visitar.

Quando, na última colecção de aerogramas, vos disse que as vossas lembranças sabiam a pouco, não era para mas estarem sempre a mandar. Mas se o fizerem, podem crer que não fico mesmo nada zangado. Nada me dá mais prazer que receber as vossas encomendas e, sobretudo, as vossas palavras de conforto. Enquanto as for lendo, é sinal que estamos todos de perfeita saúde. E sempre vou matando saudades e tendo notícias de casa e dos amigos.

 

Num unimogue, em Angola, na região da Cabaca, pertencente ao concelho de Quimbele (sector de Uíje), em Janeiro de 1973.

 

Juntamente com esta correspondência, vai uma fotografia que um furriel me tirou durante uma deslocação à Cabaca. Veio oferecer-ma há dois ou três dias. Se repararem bem nela, verificarão que tem melhor qualidade que as fotos que tirei. Não significa isto que a máquina seja melhor que a minha. O problema não está na qualidade da imagem registada nos negativos. O problema está na passagem para o papel. A revelação aí na Metrópole é muito inferior à feita nos laboratórios de Luanda. As cores das minhas fotografias estão muito longe de corresponder à realidade. Estão muito piores do que na fotografia que o furriel me ofereceu, apesar de ter sido tirada com uma máquina baratucha. Por exemplo, os edifícios metálicos do destacamento são de cor verde-escuro, ao passo que nas cópias aparecem num tom azulado. O verde dos camuflados e da vegetação está completamente diferente do natural. Por isso, não volto a mandar os rolos para aí serem revelados. Os laboratórios de Luanda trabalham com mais qualidade. E o problema não está nos negativos; está na passagem para o papel. É preferível mandar ampliar os negativos num laboratório mais careiro, mas que respeite os valores cromáticos registados nos negativos.

Agradeço ao pai que me vá adquirindo mensalmente a revista “Science et Vie” e ma envie para aqui. Não posso ficar desfasado da realidade. Tenho de me manter a par da evolução dos conhecimentos. Além disso, preciso de arranjar fontes de informação fidedignas, para os meus artigos. Em Quimbele e Sanza Pombo andam a apertar comigo para a escrita de artigos diversos para o boletim periódico do Batalhão. Não posso escrever a partir do nada. A “Science et Vie” poderá ser a minha tábua de salvamento.

 

Poderia agora falar-vos de um fenómeno estranho e curioso a que assisti durante a noite e que me fez evocar outro ocorrido em Mafra, no meu tempo de especialidade, durante um patrulhamento nocturno. Mas como não sei que luzes eram aquelas, cuja deslocação se fazia a uma velocidade prodigiosamente rápida e com trajectórias diferentes de tudo quanto conheço, vou ligar a ocorrência estranha a um fio de terra, para a neutralizar e passar a factos mais concretos e terrenos.

 

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