Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996. |
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Dois nomes que exerceram
elevada influência em todo o mundo, não tendo passado ignorados em Portugal, são
os de Maria Montessori e Ovide Decroly, a que António Sérgio faz referência
em 1924, na Portaria n.º 3891 de 2 de Fevereiro[1]. O método de
Montessori
[2] é baseado em dois princípios
básicos - respeito pela individualidade do aluno e encorajamento da sua
liberdade, devendo educador e escola estarem devidamente preparados para a
valorização destes dois aspectos: «De nada vale (...) preparar
apenas o educador; é preciso preparar também a escola. (...) É necessário
que a escola permita o livre desenvolvimento da actividade da criança para que
a pedagogia científica nela possa surgir; essa é a reforma essencial. (...) A
concepção de liberdade que deve inspirar a pedagogia é universal: é a
liberdade da vida reprimida por infinitos obstáculos que se opõem ao seu
desenvolvimento harmónico, orgânico e espiritual.[3]» Este método caracteriza-se
pela importância dada aos sentidos visual, auditivo e táctil, conjuntamente
com actividades motoras. Através de estímulos visuais, sonoros e tácteis, as
crianças aprendiam a distinguir as formas, os tamanhos, os pesos, as texturas,
as cores e as intensidades, pelo que os materiais pedagógicos eram constituídos
por objectos vários de madeira ou metal, apresentando as mais diversas formas
geométricas, cores e texturas. Estes materiais podiam ser divididos em três
categorias, tendo em conta três objectivos específicos: educação motora,
educação dos sentidos e educação intelectual. Para a educação motora, o
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tinha de ter condições adaptadas ao nível de desenvolvimento
das crianças, tais como mobiliário de tamanho reduzido, bastantes espaços
livres, tapetes de diferentes cores, etc. Para a educação dos sentidos, eram
utilizados materiais diversos, tais como objectos de madeira ou metal, com
diferentes formas, cores e texturas, bem como colecções de imagens em cartões
com várias figuras. Para o desenvolvimento e treino do sentido auditivo, eram
utilizadas caixas cilíndricas fechadas e campainhas. Para a educação
intelectual, tendo em vista a preparação para a aritmética e a escrita, eram
utilizados cartões com letras e com números recortados em papel de lixa. Para que este método pudesse
ser aplicado, Montessori construiu uma escola especial, em que todos os
materiais existentes estavam adaptados às crianças, não só o mobiliário da
escola, como os próprios recursos utilizados para o seu desenvolvimento: «Comecei
pois a estudar um padrão de mobília escolar que fosse proporcionada à criança
e correspondesse à sua necessidade de agir inteligentemente. Mandei construir
mesinhas de formas variadas, que não balançassem, e tão leves que duas crianças
de quatro anos pudessem facilmente transportá-las; cadeirinhas de palha ou
madeira, igualmente leves...»[4] em suma, mobiliário escolar
adequado ao tamanho e necessidades das crianças, constituindo como que uma
miniatura do universo material dos adultos. Igualmente os conceitos de
castigo e recompensa, disciplina e liberdade foram revolucionados por Montessori,
para quem as actividades deveriam ser realizadas pelas crianças pela própria
necessidade e prazer da sua realização, exigindo consequentemente uma mudança
radical do próprio professor, cujo estímulo, amor e maneira de agir são
fundamentais para o desabrochar e desenvolvimento da criança, não devendo, no
entanto, colocar-se ao mesmo nível dela, sob pena de impedir que se desenvolva
o homem que nelas está escondido: «...os professores
dos "jardins de infância" julgam que se devem colocar no mesmo nível
das crianças, participando dos seus jogos, chegando mesmo a usar, muitas vezes,
uma linguagem pueril. É necessário, justamente, proceder de maneira contrária,
sabendo fazer despertar na alma infantil o homem que aí se acha escondido. Tive
essa intuição, e creio que não foi o material didáctico, mas a minha voz
chamando-as que as fez despertar, levando-as a usar aquele material e,
consequentemente, a educarem-se (...) A esse respeito, Séguin exprimia-se
analogamente (...) o primeiro material de que ele se servia era de natureza
espiritual (...) Deveria cuidar minuciosamente de sua pessoa, estudando os
gestos e modulação da voz, como se fosse um artista dramático preparando-se
para entrar em cena... (...) O amor, o respeito, a acção de encorajar, de
reconfortar são forças que movem a alma humana; quem as prodigaliza nesse
sentido vê, em torno de si, transformar-se e revigorar-se a vida. (...) Fiquei
admirada ao observar que a criança a quem se possibilita uma elevação,
abandona, espontaneamente, seus baixos instintos. Em decorrência, exortei as
mestras a renunciarem aos prémios e castigos, que não mais se adaptavam às
nossas crianças.»[5] (...) O método montessoriano foi
posteriormente criticado pelo facto de haver um excesso de materiais pedagógicos
de diferentes tipos, não dando sequer tempo disponível à criança para
desenvolver as capacidades da imaginação.
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Ao contrário do de Maria
Montessori, o método de
Ovide Decroly
[6], além de reduzir
substancialmente o número de recursos pedagógicos, assenta na faculdade de
globalização própria do psiquismo infantil, por ele definida como a «concepção de
uma atitude especial do ser mental em relação ao ambiente, atitude que faz com
que este ser se apresente na sua totalidade inata e adquirida perante os
objectos e os acontecimentos e os percepcione, reflicta ou reaja perante eles
com toda a sua pessoa», o que significa que desaparece a distinção entre os sentidos e a
inteligência, em favor de uma actividade que engloba todos os aspectos da
aprendizagem, despertando na criança o interesse, a curiosidade, a
afectividade, em suma, todas as capacidades físicas e intelectuais do ser
humano como um todo global. Não quer isto dizer que com o método de Montessori
as capacidades das crianças não pudessem recorrer a todos estes aspectos; no
entanto, a superabundância de materiais e de actividades, exigindo a observação
e actividades motoras, talvez não deixasse tempos de pausa para permitir que a
criança desse asas à sua imaginação e afectividade, razão esta das críticas
feitas posteriormente ao método de Montessori. Em vez de recorrer à apresentação
da imagem, por exemplo, de um determinado animal, conferindo-lhe de imediato o rótulo
verbal respectivo e das actividades se limitarem essencialmente a este aspecto,
com o método de Decroly pretendia-se que as crianças contactassem directamente
com esse animal, que o tratassem e fossem acompanhando o seu desenvolvimento.
Relativamente aos materiais pedagógicos, além de serem muito menos,
tornaram-se muito mais simples, reduzindo-se a formas simples, tais como blocos
e cubos de diversos tamanhos e feitios, em madeira, com que a criança podia
brincar imaginando diversos tipos de construções. Por outro lado regressaram
à escola não só objectos de uso corrente como ainda objectos que a criança
poderia guardar e coleccionar. Relativamente ao método de
Decroly, transcrevemos o que nos diz Dimitri Demnard: «Enfim, Decroly
imaginou certos objectos simples que podiam ser construídos e desmontados por
meio de grandes parafusos. O espírito de coleccionador e de construtor próprio
da criança, animado pelo jogo e emulação de grupo e desenvolvido por este método,
dá ao aluno a possibilidade de elaborar a sua própria aprendizagem intelectual
e sensorial. Decroly fez assim passar a segundo plano a análise, em proveito de
uma síntese globalizante baseada nos "centros de interesse" mais
gerais e pondo em acção a própria criança: por exemplo, sobre o tema da
criança e do seu organismo (a necessidade de se alimentar): ter fome, comer,
beber...; a necessidade de se defender: ter medo, aquecer-se, iluminar-se...),
ou da criança e os animais, a criança e os vegetais; a criança e o meio
humano, etc. (...)»[7]
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A necessidade de agrupar os
conhecimentos de acordo com centros de interesse levou à realização de
quadros, desenhos e textos que representam o estudo concertado de um mesmo
assunto, tirados frequentemente da vida quotidiana: profissões, natureza, vida
social. A aprendizagem da criança deveria seguir um desenvolvimento específico
que lhe permitisse exercer, em
estreita articulação com as quatro necessidades fundamentais (alimentar-se, proteger-se, defender-se, trabalhar e
repousar) as actividades de observação e de associação no espaço e no tempo
e a expressão. Essencialmente dinâmico, o método de Decroly, na globalidade das suas técnicas, procura levar as crianças a «produzir e a construir, e não a absorver e a aprender.»
[1] - Veja-se o que a este respeito apresentamos no capítulo «A imagem como recurso pedagógico em Portugal - sécs. XVI a XX, quando fazemos referência a António Sérgio. [2] - Maria Montessori (1870-1952) nasceu em Itália, em 1870, na província de Ancona. Formada em Medicina, interessou-se desde logo por problemas pedagógicos, aplicando em 1907 as suas ideias na Casa dei Bambini, instituição por ela fundada, onde rejeitou os métodos tradicionais e aplicou os seus princípios educativos de acordo com o desenvolvimento fisiológico e psicológico das crianças. Percorreu diversos países de todo o mundo, para dar a conhecer as suas teorias, tendo deixado diversas obras publicadas: o Método da pedagogia científica e a Casa das Crianças (1907); Pedagogia científica (1919). [3] - Maria MONTESSORI, Pedagogia científica. A descoberta da criança, Col. Psicologia e Pedagogia, nº 1, 1ª ed., Livr. Editora Flamboyant, São Paulo, 1965, p. 16. [6] - Ovide Decroly (23/7/1871-9/9/1932) foi um médico e pedagogo belga, iniciador do movimento dos métodos activos e da psicopedagogia. Médico em Bruxelas, após viagens de estudo a vários países, nomeadamente Berlim e Paris, Decroly sentiu-se desde muito cedo atraído pelos problemas relacionados com as crianças inadaptadas. Criou em 1907 a Escola para a vida, pela vida, em Ixelles (Bruxelas), que se tornou o laboratório e protótipo da pedagogia Decroly. |
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